Em julgamento histórico ocorrido em 15 de junho passado a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento a Agravo Regimental do Ministério Público do Rio de Janeiro e confirmou decisão do Ministro Reynaldo Soares da Fonseca proferida em Recurso Ordinário em Habeas Corpus de nº. 136961¹.
A tão comemorada decisão acolheu pedido da Defesa de homem que esteve preso no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, no Complexo Penitenciário de Bangu, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, para determinar que seja contado em dobro todo o período em que esteve preso.
O Recurso Ordinário da defesa e a decisão proferida se fundamentam em determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que reconheceu o instituto como “inadequado para a execução de penas, especialmente em razão de os presos se acharem em situação degradante e desumana”.²
A determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos se deu após diversas inspeções realizadas pela Comissão motivada por denúncia feita pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro.
Em 14 de dezembro de 2018 que o Brasil foi notificado formalmente de uma Resolução da CIDH que proibiu o ingresso de novos presos no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho e determinou que se computasse ‘em dobro cada dia de privação de liberdade cumprido no IPPSC, para todas as pessoas ali alojadas, que não sejam acusadas de crimes contra a vida ou a integridade física, ou de crimes sexuais’.
Amplamente noticiado pelos meios de comunicação, é considerada a primeira vez que uma turma criminal do STJ aplica o chamado “princípio da fraternidade” ao permitir cálculo de pena mais benéfico ao condenado que se encontra preso em local degradante.
O conceito dialético de fraternidade desenvolvido por Luis Fernando Barzotto e Luciane Barzotto, “pretende sintetizar a dimensão jurídica da individualidade, expressa pelos direitos, que tornam o ser humano imune a interferências na sua esfera própria (subjetiva), com a dimensão jurídica da sociabilidade, expressa pelos deveres que todo convívio social implica”. Segundo o autor, assim se evita o “coletivismo” de deveres sem direitos das sociedades pré-modernas e o “individualismo” de direitos sem deveres das sociedades contemporâneas. Desse modo, a fraternidade “estabelece que somente aquele que está protegido por direitos pode ser obrigado a cumprir deveres, bem como somente a assunção de deveres pode legitimar a pretensão a direitos” (op. cit)³.
O Ministro Joel Ilan Paciornik fez constar que, “numa hipótese onde se detecta flagrante violação a direitos humanos pelas condições degradantes e desumanas existentes em determinados estabelecimentos prisionais, a invocação do Princípio da Fraternidade é extremamente procedente”, sendo entendimento reforçado pelo Ministro João Otávio de Noronha para quem o voto do relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca “consagra um princípio já agasalhado na Constituição Federal (o Princípio da Fraternidade), em que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”
Entendemos que a decisão do Superior Tribunal de Justiça inaugura um precedente para que sejam denunciadas as penitenciárias que não oferecem o mínimo de dignidade ao apenado e defendemos que a contagem em dobro de pena cumprida em condições desumanas e degradantes deveria ser automaticamente implementada pelas Varas de Execuções Criminais de nosso País.
¹Ministro manda contar em dobro todo o período de pena cumprido em situação degradante. Site do Superior Tribunal de Justiça. Disponível em https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/07052021-Ministro-manda-contar-em-dobro-todo-o-periodo-de-pena-cumprido-em-situacao-degradante-.aspx. Acesso em 05.07.21.
²Corte Interamericana de Derechos Humanos. RESOLUÇÃO DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS DE 22 DE NOVEMBRO DE 2018 MEDIDAS PROVISÓRIAS A RESPEITO DO BRASIL ASSUNTO DO INSTITUTO PENAL PLÁCIDO DE SÁ CARVALHO. Disponível em https://www.corteidh.or.cr/docs/medidas/placido_se_03_por.pdf. Acesso em 01.07.21.
³CARVALHAL, Ana Paula. O princípio da fraternidade e a jurisprudência da crise na pandemia. Disponível em https://www.conjur.com.br/2021-abr-24/observatorio-constitucional-principio-fraternidade-jurisprudencia-crise-pandemia. Acesso em 10.07.21
MOREIRA, Rômulo de Andrade. O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, A FRATERNIDADE E A CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS: UMA DECISÃO HISTÓRICA. Disponível em http://emporiododireito.com.br/leitura/o-superior-tribunal-de-justica-a-fraternidade-e-a-corte-interamericana-de-direitos-humanos-uma-decisao-historica. Acesso em 07.07.21
Vilson Farias – Doutor em Direito e escritor
Thiago Seidel – Advogado