Desde 2015, quando foi revisto o artigo 213 do Código Penal, a definição do crime de estupro foi ampliada para além do ato sexual forçado: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que, com ele, se pratique outro ato libidinoso”. A pena, de reclusão, pode chegar a dez anos de prisão.
No caso de menores de 14 anos, qualquer tipo de conjunção carnal ou ato libidinoso é considerado estupro, mesmo que não haja ameaça comprovada (artigo217-A). A lei entende que crianças e adolescentes, antes dessa idade, não tem discernimento para consentir qualquer tipo de relação sexual, o mesmo se aplica a pessoas com deficiência e idosos.
Essa ampliação da definição de estupro aconteceu, entre outras coisas, após o caso de uma menina de 10 anos levada a um motel por um homem e obrigada a tirar a roupa enquanto ele se masturbava.
Embora não tenha havido penetração, pois ele não tocou na menina, o STJ considerou que a jovem foi estuprada. O entendimento foi de que o contato físico não era mandatório para configurar o crime, bastando que ambos estivessem no mesmo ambiente e que a ação de um estivesse satisfazendo o desejo sexual do outro.
O Promotor de Justiça do Rio Grande do Sul, Júlio Almeida, hoje aposentado, na época responsável pelo setor de investigação do Ministério Público gaúcho, na área de violência sexual contra crianças em crimes de internet, usou dessa jurisprudência no caso de um menino, coincidentemente também com 10 anos de idade, vítima de um predador sexual de 27 anos no ambiente online. Na interpretação construída por Almeida, e acatada pela Justiça, o ambiente virtual equivale ao real.
Em 2017 o abusador foi condenado a 12 anos e 9 meses de reclusão. A defesa reverteu esta decisão através de recurso, pois o Ministro Reynaldo Soares da Fonseca acatou o pedido do réu para mudar o enquadramento do estupro para o delito de “aliciar ou assediar por meio de comunicação criança com o fim de com ela praticar ato libidinoso”.
Na reforma feita pelo Ministro prevaleceu o entendimento de que a conduta do réu não foi a de estupro de vulnerável (crime mais grave com pena de 8 a 15 anos de prisão), mas sim de assédio que tem pena de 1 a 3 anos de reclusão.
Ainda, é importante registrar que já existem precedentes de que é possível estupro sem contado físico, mas não há casos de sentenças por estupro à distância por meio virtual.
Em conclusão, diríamos que à época a condenação obtida pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul teve grande repercussão pelo ineditismo, mas agora sofreu uma reviravolta no próprio STJ. Concordo com as declarações do eminente Promotor de Justiça Júlio Almeida que “o caminho é tipificar o crime de estupro virtual, ou seja, descrever a conduta de praticar o ato libidinoso diverso da conjunção carnal praticado por meio da internet, como crime em lei específica”.
Isto é matéria do Congresso, mas é importante salientar que a Justiça não pode legislar e seguidamente vem fazendo, como no caso da homofobia que foi enquadrada pelo Supremo Tribunal Federal como crime de racismo, embora já exista um Projeto de Lei em torno do assunto, PL 7582/14, eis porque poderemos voltar ao assunto.
Dado a complexidade dos fatos, principalmente o que é estupro virtual, tudo foi esmiuçadamente retratado na novela Travessia, quando a adolescente, Karina (que é a personagem vivida pela atriz Danielle Olímpia na novela das 21h da TV Globo, cuja autora é a grande Glória Peres) começou a se relacionar com uma influencer famosa, que disse que podia ajudá-la.
Vilson Farias Leonardo Ávila
Doutor em Direito Penal e Civil, e Escritor Advogado