Uma das questões mais controversas no direito é a aplicabilidade, ou não, do Princípio da insignificância nos crimes contra a Administração Pública.
Pois este princípio tem o potencial de afastar ou excluir a tipicidade penal, em sua perspectiva material quando houver ausência de lesividade ao bem juridicamente tutelado pela norma, ou seja, prejuízos ínfimos ou insignificantes, requerendo uma lesão expressiva para justificar a incidência do Direito penal.
Sendo assim, sob o ângulo analítico, de acordo com a teoria finalista, adotada pelo Código Penal Brasileiro, o crime é um fato típico, ilícito e culpável, que pressupõe uma conduta humana (omissiva ou comissiva) contrária ao ordenamento jurídico e sujeita a uma sanção.
Enquanto as espécies de crimes contra a Administração Pública, consistem nos crimes mais lesivos praticados contra a população em geral, tendo em vista que além da administração pública toda a sociedade é indiretamente afetada, visto que os valores desviados poderiam ser diversamente empregados, favorecendo a sociedade como o todo.
Ainda, estão descritos no Código Penal, art. 312 ao art. 326, os crimes funcionais, que são delitos praticados por funcionário público contra a Administração em geral, ou seja, crimes que atingem diretamente o interesse público. Sendo os crimes de maior incidência: corrupção, peculato e descaminho. Delitos de ação pública incondicionada em que a autoridade administrativa toma as devidas providências a fim de responsabilizar os envolvidos.
Neste sentido, a Súmula 599 do Superior Tribunal de Justiça, anuncia a inaplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes contra a Administração Pública.
Entretanto, em sentido contrário, o STF já reconheceu a atipicidade da conduta no HC107370, quando foram subtraídos objetos da Administração Pública no valor de R$ 130,00 (cento e trinta) em julgamento realizado no ano de 2011.
Assim, podemos perceber que há situações em que o princípio em tela será aplicado aos crimes contra a Administração Pública, observado o principio da razoabilidade, devendo ser aferidos, caso a caso, a lesividade da conduta do agente e o dever de lealdade e fidelidade do funcionário público no desempenho de suas funções.
Entretanto, a jurisprudência, tanto do STJ quanto do STF, é pacífica em admitir a aplicação do princípio da insignificância ao crime de Descaminho (art. 334 do CP), quando o valor do tributo não recolhido for igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Porém, em relação aos crimes de Contrabando, art. 334-A do CP, os Tribunais Superiores não admitem a aplicação do princípio da insignificância, independentemente do valor das mercadorias, pois os bens tutelados neste caso, a saúde pública e a ordem pública, não podem ser considerados irrelevantes no âmbito penal. Ainda assim, o STJ já admitiu a excepcionalidade do delito para pequena quantidade de remédio para uso pessoal.
Em conclusão, nos limites de um artigo, diríamos que o tema possui profundas discordâncias jurisprudenciais não havendo uma regra geral, sendo necessário analisar caso a caso, e estando presentes os requisitos para a aplicação do princípio da insignificância em delitos contra a Administração Pública, a tipicidade será afastada, a menos que a conduta praticada lesione a coletividade de maneira significativa, o que tornaria inviável a aplicação do princípio diante da reprovabilidade da conduta em questão.
Referências
NUCCI, Guilherme. Direito Penal-parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
ZAFFARONI, Eugenio Raul. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro- parte geral.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal- parte especial. 9 ed. Niterói. Impetus, 2013.
Por Vilson Farias, doutor em Direito Civil e Penal, e escritor
e
Leonardo Ávila, advogado