O caráter do brasileiro é um tema complexo, que reflete uma mistura de influências históricas, culturais, sociais e políticas. Em um cenário onde escolhas eleitorais, preferências televisivas, comportamentos no exterior e questões de violência doméstica e social são frequentemente destacados, é essencial refletir sobre os fatores que contribuem para a percepção do caráter nacional, que obviamente está em crise.
A eleição de candidatos com fichas sujas e até condenados levanta questões sobre a consciência cívica e o nível de exigência ética do eleitor brasileiro. Por que, apesar das inúmeras denúncias e processos judiciais, muitos eleitores continuam a apoiar figuras políticas polêmicas? A resposta pode estar na falta de educação política, na descrença generalizada no sistema e na tendência de enxergar o político corrupto como um “mal necessário” para atender a interesses pessoais ou comunitários.
Na TV isso também acontece. O sucesso de participantes de caráter duvidoso em reality shows é outro aspecto que merece análise. Esses programas, frequentemente, veem seus campeões serem figuras que, apesar de polêmicas, conseguem conquistar o público com suas estratégias e personalidade marcante. Isso indica admiração pela esperteza e habilidade, mesmo que signifique jogar sujo e passar por cima de princípios morais. Tal comportamento pode ser visto como reflexo de uma sociedade que valoriza a malandragem em detrimento da honestidade, da bondade e do fair play. Virou rotina ver ex-participantes de reality shows envolvidos em escândalos. Recentemente, um “campeão” foi acusado de corrupção por prática de “turismo de tragédia”, aproveitando-se do desastre climático no Rio Grande do Sul.
A propósito, em paralelo às demonstrações de solidariedade e generosidade dos brasileiros com os gaúchos, também tivemos motivos de preocupação. Além de assaltos a equipes de resgate, invasões e roubos em residências e estabelecimentos comerciais inundados, houve desvio de mercadorias doadas e de dinheiro arrecadado em vaquinhas. Até influenciadores digitais foram acusados de montar esquemas fraudulentos para lucrar com a desgraça alheia. Esse tipo de atitude mostra uma falta de empatia, de ética e de caráter que precisa ser urgentemente abordada e corrigida na sociedade.
A fama de mal-educado do brasileiro no exterior é outra questão preocupante. Ouvi muitos relatos de turistas e imigrantes brasileiros agindo de maneira inadequada em outros países, impactando negativamente a imagem do Brasil. Por exemplo, em Lisboa, capital portuguesa, as autoridades locais tiveram que instalar catracas nas estações de metrô, o que não é comum em outras cidades europeias. Isso foi feito depois de relatos de que brasileiros estavam frequentemente burlando o sistema para não pagar a passagem. Esse comportamento, tentativa de tirar vantagem, exemplifica uma atitude desrespeitosa às normas e leis locais. Essa má fama pode ser atribuída a uma combinação de falta de educação formal, desrespeito às regras e uma cultura que, muitas vezes, valoriza a esperteza acima da ética.
É importante destacar que, apesar dessas questões, o caráter do brasileiro não pode ser resumido apenas pelos aspectos negativos. O Brasil é um país de imensa diversidade cultural, com uma população que, em muitos casos, demonstra generosidade, resiliência e criatividade. No entanto, os problemas mencionados indicam a necessidade de uma profunda reflexão e de ações concretas para promover mudanças sociais e culturais.
Investir em educação de qualidade, promover a consciência cívica e ética, e fortalecer as instituições de proteção social são passos fundamentais para reverter essas tendências. A reintrodução de matérias como Organização Social e Política Brasileira (OSPB) e Educação Moral e Cívica na grade educacional pode desempenhar um papel crucial nesse processo. Essas disciplinas, focadas em desenvolver o senso de cidadania, valores éticos e o entendimento do funcionamento do país, são essenciais para formar cidadãos mais conscientes e responsáveis.
O caráter do brasileiro, como o de qualquer outro povo, é um reflexo de sua história, cultura e circunstâncias sociais. Embora existam aspectos que mereçam críticas e mudanças, também há muito a ser valorizado e preservado. A chave para um futuro melhor reside em reconhecer as falhas, aprender com elas e trabalhar juntos para construir uma sociedade mais justa, ética e respeitosa.
Fábio Paiva
Jornalista