Crise de caráter

Fábio Paiva, jornalista. (Foto: Divulgação)

O caráter do brasileiro é um tema complexo, que reflete uma mistura de influências históricas, culturais, so­ciais e políticas. Em um cenário onde escolhas eleitorais, preferências tele­visivas, comportamentos no exterior e questões de violência doméstica e social são frequentemente destaca­dos, é essencial refletir sobre os fato­res que contribuem para a percepção do caráter nacional, que obviamente está em crise.

A eleição de candidatos com fi­chas sujas e até condenados levan­ta questões sobre a consciência cí­vica e o nível de exigência ética do eleitor brasileiro. Por que, apesar das inúmeras denúncias e processos ju­diciais, muitos eleitores continuam a apoiar figuras políticas polêmicas? A resposta pode estar na falta de edu­cação política, na descrença genera­lizada no sistema e na tendência de enxergar o político corrupto como um “mal necessário” para atender a inte­resses pessoais ou comunitários.

Na TV isso também acontece. O sucesso de participantes de caráter duvidoso em reality shows é outro as­pecto que merece análise. Esses pro­gramas, frequentemente, veem seus campeões serem figuras que, apesar de polêmicas, conseguem conquis­tar o público com suas estratégias e personalidade marcante. Isso indi­ca admiração pela esperteza e habi­lidade, mesmo que signifique jogar sujo e passar por cima de princípios morais. Tal comportamento pode ser visto como reflexo de uma sociedade que valoriza a malandragem em detri­mento da honestidade, da bondade e do fair play. Virou rotina ver ex-parti­cipantes de reality shows envolvidos em escândalos. Recentemente, um “campeão” foi acusado de corrupção por prática de “turismo de tragédia”, aproveitando-se do desastre climáti­co no Rio Grande do Sul.

A propósito, em paralelo às de­monstrações de solidariedade e ge­nerosidade dos brasileiros com os gaúchos, também tivemos motivos de preocupação. Além de assaltos a equipes de resgate, invasões e roubos em residências e estabelecimentos comerciais inundados, houve desvio de mercadorias doadas e de dinhei­ro arrecadado em vaquinhas. Até in­fluenciadores digitais foram acusados de montar esquemas fraudulentos para lucrar com a desgraça alheia. Esse tipo de atitude mostra uma falta de empatia, de ética e de caráter que precisa ser urgentemente abordada e corrigida na sociedade.

A fama de mal-educado do brasi­leiro no exterior é outra questão pre­ocupante. Ouvi muitos relatos de tu­ristas e imigrantes brasileiros agindo de maneira inadequada em outros países, impactando negativamente a imagem do Brasil. Por exemplo, em Lisboa, capital portuguesa, as autori­dades locais tiveram que instalar ca­tracas nas estações de metrô, o que não é comum em outras cidades eu­ropeias. Isso foi feito depois de relatos de que brasileiros estavam frequen­temente burlando o sistema para não pagar a passagem. Esse compor­tamento, tentativa de tirar vantagem, exemplifica uma atitude desrespei­tosa às normas e leis locais. Essa má fama pode ser atribuída a uma com­binação de falta de educação formal, desrespeito às regras e uma cultura que, muitas vezes, valoriza a esperte­za acima da ética.

É importante destacar que, ape­sar dessas questões, o caráter do bra­sileiro não pode ser resumido apenas pelos aspectos negativos. O Brasil é um país de imensa diversidade cul­tural, com uma população que, em muitos casos, demonstra generosi­dade, resiliência e criatividade. No entanto, os problemas menciona­dos indicam a necessidade de uma profunda reflexão e de ações con­cretas para promover mudanças sociais e culturais.

Investir em educação de quali­dade, promover a consciência cívica e ética, e fortalecer as instituições de proteção social são passos fun­damentais para reverter essas ten­dências. A reintrodução de matérias como Organização Social e Política Brasileira (OSPB) e Educação Moral e Cívica na grade educacional pode desempenhar um papel crucial nes­se processo. Essas disciplinas, fo­cadas em desenvolver o senso de cidadania, valores éticos e o enten­dimento do funcionamento do país, são essenciais para formar cidadãos mais conscientes e responsáveis.

O caráter do brasileiro, como o de qualquer outro povo, é um reflexo de sua história, cultura e circunstâncias sociais. Embora existam aspectos que mereçam críticas e mudanças, tam­bém há muito a ser valorizado e pre­servado. A chave para um futuro me­lhor reside em reconhecer as falhas, aprender com elas e trabalhar juntos para construir uma sociedade mais justa, ética e respeitosa.

Fábio Paiva

Jornalista

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