Ainda sobre o caso do anestesista que foi preso pela prática de estupro

Vilson Farias. (Foto: Divulgação)

O recente caso que chocou o País sobre o(s) estupro(s) cometido(s) pelo anestesista Giovanni Quintella Bezerra reacende a discussão em relação aos direitos da mulher gestante. O ato de gestar pode ser considerado o mais sublime realizado pelo ser humano devido à sua magnitude: se está gerando uma vida, dando continuidade à, pelo menos, duas famílias. Se desenvolve no ventre da mãe um ser com características tanto físicas, quanto comportamentais em consonância com sua árvore genealógica. Um filho é o sonho de vida de muitas famílias, ou ainda de muitas mães solo; famílias e mulheres que, inclusive, se submetem aos mais diversos tratamentos na tentativa (unilateral ou não) de ter um bebê.

É importante falarmos que desde 2005 o Brasil possui uma lei que assegura à parturiente o direito de escolher um acompanhante durante todo o trabalho de parto, parto e pós parto. A lei nº 11.108/2005 determina que o direito da gestante à escolha de um acompanhante deve ser respeitado tanto nos hospitais públicos, quanto particulares, sendo o acompanhante, pessoa escolhida pela parturiente, podendo ser sua mãe, marido/companheiro, o pai da criança, ou qualquer pessoa, mesmo que não guarde qualquer relação com o bebê. Pós parto, segundo Resolução 211/10 da ANS, é o período compreendido entre as primeiras 24hs após o parto. Evidente que além de conforto para a gestante, a permanência de um acompanhante significa também segurança para a mulher e para o bebê frente à quaisquer atitudes suspeitas de qualquer membro da equipe hospitalar.

O problema é: a quem recorrer em caso de descumprimento da lei? Não são raros os relatos de mulheres que não tiveram seu direito respeitado sob a alegação dos mais variados empecilhos. Nestes casos, tanto a parturiente, quanto a família ficam reféns da situação que viola o direito da gestante, com receio de sofrer represálias pela equipe médica hospitalar. Como brigar por um direito em um momento de nervosismo, de ansiedade? Em um momento onde o que menos se quer é “criar caso”? Como garantir que a gestante ou o bebê não sofrerão nenhum abuso/violência por parte de algum profissional que se ache desrespeitado?

É preciso que seja compreendido que as leis existem para garantir direitos e que devem ser respeitadas. No caso da lei que garante acompanhamento à gestante, a mesma surgiu na intenção de se evitar/diminuir os casos de violência obstétrica, pois a mulher em trabalho de parto não possui condição alguma de se defender, muito menos defender o bebê em caso de algum abuso.

Ali a mulher se encontra extremamente vulnerável e por isso lhe é assegurado o direito à um acompanhante que não deve se calar, que deve exigir o direito à permanência no local durante todo o trabalho de parto, o parto e o pós parto. O caso do anestesista estuprador evidenciou a vulnerabilidade total a que está submetida a mulher no ambiente obstétrico hospitalar, escancarando a necessidade de que a lei seja cumprida a rigor. Os casos de descumprimento da lei que garante acompanhante à gestante podem ser denunciados às ouvidorias dos hospitais, bem como ao Ministério Público, podendo ainda ser contratado um advogado para que medidas sejam tomadas contra os profissionais e o hospital que se negar à cumprir a lei. É indicado nesses casos que os familiares filmem, fotografem e/ou gravem a situação, para fins de prova judicial.

No inquérito, concluído nessa terça (19/07), Giovanni foi indiciado por estupro de vulnerável. Seguem sendo investigados pela polícia civil, em outro inquérito, mais de 40 (quarenta) possíveis casos de estupro envolvendo pacientes de Giovanni.

Em conclusão, nos limites de um artigo, é necessário verificar o seguinte: Quanto ao histórico das maneiras de aplicação do instituto das medidas de segurança, pode ser apresentada a contraposição entre dois sistemas existentes ao longo do século passado: o duplo binário e o vicariante. O primeiro sistema vigorou no Brasil até a Reforma da Parte Geral de 1984, a partir da qual foi instituído o segundo sistema, cujos efeitos incidem até os dias atuais. Guilherme de Souza Nucci (2019) buscou definir os modelos supra elencados, e assim o fez: Antes da Reforma Penal de 1984, prevalecia o sistema duplo binário, vale dizer, o juiz podia aplicar pena mais medida de segurança. Quando o réu praticava delito grave e violento, sendo considerado perigoso, recebia pena e medida de segurança. Assim, terminada a pena privativa de liberdade, continuava detido até que houvesse o exame de cessação de periculosidade. […] A designação – duplo binário – advém da expressão italiana doppio binário, que significa duplo trilho ou dupla via. Atualmente, prevalecendo o sistema vicariante (“que faz as vezes de outra coisa”), o juiz somente pode aplicar pena ou medida de segurança. (Nucci, 2019, p. 466).

No caso em espécie, o anestesista será condenado certamente a uma pena de prisão. Ao cumprir a pena diante da progressão que adquirir no cárcere, reduzirá o tempo e sairá da prisão. Pelo princípio do duplo binário, isso não aconteceria, pois após o cumprimento da pena ele teria que cumprir uma medida de segurança e somente voltaria a ser livre quando o seu exame de sanidade assim se manifestasse, ou seja, quando estivesse apto ao convívio social. É uma reflexão para ser analisada novamente em uma eventual reforma penal.

Referências:

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11108.htm Acessado em 19/07/2022.

https://www.normasbrasil.com.br/norma/?id=112533 Acessado em 19/07/2022.

https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2022/07/19/policia-conclui-inquerito-e-vai-indiciar-anestesista-por-estupro-de-vulneravel-ele-ja-e-reu-pelo-crime.ghtml Acessado em 19/07/2022.

 Vilson Farias – Doutor em Direito e Escritor

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