A flamante tipificação da injúria racial como crime no ordenamento jurídico

Vilson Farias. (Foto: Divulgação)

O Brasil é um país continental, construído sob a ótica exploratória e escravagista, sofrendo ao longo dos séculos com a influência dos costumes e ritos de povos estrangeiros, que tinham como objetivo principal a acumulação de riquezas e a desconstrução das tradições já existentes neste território. 

A mistura causada pelo eurocentrismo pungente da época pós ocupação portuguesa, somados ao intenso tráfico negreiro, desencadeou a miscigenação étnica e a falsa idealização de superioridade de um grupo sob outros, ponto este que pode ser observado no Brasil até os dias atuais, como aponta Nucci (2008). 

O pensamento voltado à existência de divisão dentre seres humanos, constituindo alguns seres superiores, por qualquer pretensa virtude ou qualidade, aleatoriamente eleita, a outros, cultivando-se um objetivo segregacionista, apartando-se a sociedade em camadas e estratos, merecedores de vivência distinta. 

Dessa forma, os conceitos de racismo e injúria racial foram enquadradas pelo ordenamento jurídico para sanar um problema social enraizado e altamente seletivo, como o exposto pelo grupo de rap nacional Racionais Mc’s, que por meio de letras pragmáticas, escancara a realidade da população frente às questões raciais. 

60% dos jovens de periferia 

Sem antecedentes criminais já sofreram violência policial

A cada quatro pessoas mortas pela polícia, três são negras

Nas universidades brasileiras, apenas 2% dos alunos são negros

A cada quatro horas, um jovem negro morre violentamente em São Paulo

Aqui quem fala é Primo Preto, mais um sobrevivente (Capítulo 4, Versículo 3, Racionais MC’s, 1997).

Assim, mesmo com um lapso temporal de quase 3 décadas da letra citada e com uma normatividade bem estabelecida, ainda existiam pontos em aberto que possibilitavam a interpretação distorcida dos casos criminais de racismo ou injúria racial, recaindo esta última sobre uma pena mais branda e um tratamento mais superficial sobre questões que mereciam maior severidade do Poder Judiciário brasileiro.

À vista disso, tomando a realidade ineficaz como base, em janeiro de 2023, foi sancionada a Lei 14.532, que tipifica o crime de injúria racial como mais um dos crimes de racismo, corroborando dessa forma, para o aumento da pena que antes era de 1 a 3 anos de reclusão mais multa aplicada ao ofensor, passando a ser de 2 a 5 anos de reclusão mais aplicação de multa com a seguinte redação: 

Art. 2º – A Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional.

Pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. A pena é aumentada de metade se o crime for cometido mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas. 

Assim, mesmo que de uma visão simplista a alteração possa parecer meramente normativa, nas relações fáticas da sociedade esse é um grande avanço para essa parcela da população que sofre de maneira reiterada e de forma escrachada ao longo dos séculos. 

Dessa forma, as ações racistas proferidas contra outrem por meio de injúrias raciais, terão automaticamente um tratamento mais severo, bem como àqueles crimes enquadrados na Lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989 que visa punir todo tipo de discriminação ou preconceito, não sendo possível portanto, a sua fiança ou prescrição.

Tal medida jurídica possibilita dentro desse contexto, que àqueles que sofrem atos racistas tenham a segurança jurisdicional que cabe contra tantas outras vítimas dos crimes pautados pela legislação brasileiras e levado a juízo, representando assim, equidade e paridade de armas a todos os cidadãos, tal como defendido na Carta Magna do país.

Vilson Farias –  Doutor em Direito Civil e Penal, e Escritor                                                  Ana Cláudia Nunes dos Santos Silva – Acadêmica de Direito

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