É indiscutível que a audiência do suposto caso de estupro da influencer Mariana Ferrer, foi um “verdadeiro circo dos horrores”, desde as alegações do advogado da acusação, o qual afirmou durante a audiência virtual que a jovem tirava fotos em “poses ginecológicas”, até a inércia do Ministério Público e do magistrado que conduzia a sessão.
Assim, que vídeos da solenidade judicial foram aos poucos divulgados pela imprensa nacional, este caso se tornou emblemático, porém obviamente não de forma positiva, pois expôs para a sociedade, seus representantes legislativos e a mídia, a falta de acolhimento e apoio a vítima/acusação em processos criminais dentro das instituições. Ademais, é notório que as vítimas de estupro, em sua maioria mulheres e crianças, necessitam de especial proteção, tendo em vista que traumas deste ilícito as tornam mais vulneráveis, principalmente durante atos do processo judicial que versa sobre as circunstâncias do fato criminoso.
Por outro lado, devido a ampla repercussão da divulgação destes vídeos, surgiu o Projeto de Lei/PL nº 5.906/2020 de autoria da deputada federal Lídice da Mata (PSB/BA), o projeto foi aprovado pelo Senado em outubro, numa pauta dedicada exclusivamente a proposições da Bancada Feminina, para marcar o encerramento do Outubro Rosa. Foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro no final de novembro, e sendo publicada no Diário Oficial no dia 23 de novembro de 2021, transformando-se na lei 14.245/2021, também chamada de “ Lei Mariana Ferrer”, dentre os seus principais tópicos está a proibição durante todo o curso do processo de menções a aspectos da vítima, tais como condutas sexual, hábitos, além de impedir a utilização de ofensas e linguagem imprópria.
Um dos objetivos do diploma legal é reprimir a chamada “vitimização secundária”, ou seja, que a vítima sofra violência psicológica no decorrer do procedimento de apuração e julgamento, além da violência física ou psicológica já experimentada pela mesma, a qual motivou o mesmo processo. Além disso, o mesmo ainda altera a Código Penal e Código de Processo Penal impondo dever de respeito e urbanidade no trato de vítimas e testemunhas.
Tais fundamentos já estão presentes em nosso ordenamento jurídico e, mais do que isso, são elementos basilares para o correto desenvolvimento dos atos processuais, ficando a cargo do juiz que preside a sessão, garanti-los.
Por outro viés, a inovação legislativa pode significar verdadeiro cavalo de Tróia voltado ao direito de defesa. Isso de deve a elaboração da legislação, prevendo conceitos que abrem margem a interpretações excessivamente amplas como “o que é ofensivo à dignidade da vítima ou testemunha”, abrindo desta forma espaço a mais atos discricionários. Pode-se permitir, por exemplo, que o juiz impeça a produção de determinada prova, desta forma, sob esta justificativa.
Vale destacar que, segundo entendimento da jurisprudência, nos crimes sexuais a palavra da vítima ganha especial relevância diante da dificuldade de apuração dos fatos. Assim, tendo como premissa que o processo é uma garantia do acusado em face ao poder punitivo do Estado, é de suma importância preservar a ampla defesa do investigado, mesmo que para isso seja necessário abordar e aprofundar temas complexos e delicados.
Fato é que, independentemente da boa intenção do legislador, a discricionaridade criada pode gerar um severo prejuízo ao direito de defesa do investigado, que poderá ter uma pergunta relevante indeferida, a critério do magistrado.
Tudo isso é de extrema importância para o processo penal. Alegações de crimes, tidos como “bárbaros”, tem, por vezes, infelizmente a função de assim serem elaborados, a fim de criar a terrível tendência de tribunais midiáticos. Mídia esta, ressalte-se não incluí toda a imprensa, mas parte ocasionalmente influente popularmente da mesma, fomenta uma postura arbitrária por parte dos magistrados, como bem ilustram Aury Lopes Jr. e Alexandre Morais da Rosa:
“O agrado ao público vem com herói que dribla esses entraves para vencer o mal, personificado na figura do réu, o “bom juiz! É aquele que consegue superar as “filigranas” e as burocracias de um sistema vendido como gerador de impunidade, mas que, parodoxalmente, prende mais de 800 mil pessoas, grande parcela destes sem julgamento nenhum, quiça em segunda estância.”
Em conclusão, não há como saber como será utilizada a nova lei, apesar desta vir com as melhores intenções, aparenta prever balizas vagas demais, porém o tempo dirá se ela será usada mantendo o equilíbrio processual entre as partes e em obediência a dignidade humana de todos os envolvidos.
Referências Bibliográficas
Agência Senado. Senado Notícias. Sancionada Lei Marina Ferrer, que protege vítimas de crimes sexuais em julgamento. Disponível em:<https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/11/23/sancionada-lei-mariana-ferrer-que-protege-vitimas-de-crimes-sexuais-em-julgamentos> . Acesso em 09/10/2021.
LOPES JR., Aury; ROSA, Alexandre Morais da. A “voz das ruas” implica na espetacularização dos julgamentos no STF? Conjur, 2019. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2019-dez-13/limite-penal-espetaculo-julgamentos-stf-garante-publicidade>.
Redação do Migalhas. “Lei Mariana Ferrer é sancionada e proíbe humilhação em audiências.” Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/quentes/355335/lei-mariana-ferrer-e-sancionada-e-proibe-humilhacao-em-audiencias >Acesso em 05/12/2021.
Guilherme Martins dos Santos Vilson Farias Aline Montes
Estagiário de Direito Escritor e Doutor em Direito Advogada