Perspectivas de punibilidade da manipulação do mercado de criptomoedas

Vilson Farias. (Foto: Divulgação)

As criptomoedas (ou criptoativos) – como Ethereum, Bitcoin e outras – são, reconhecidamente, um importante instrumento de operacionalização financeira, facilitando negociações ocorridas em âmbito exclusivamente virtual ao mesmo tempo em que servem como investimento para aqueles que pretendem proteger-se dos efeitos inflacionários.

Neste contexto, por estarem dentro do contexto financeiro internacional, expõem-se a todos os riscos atrelados aos capitais negociados nas bolsas de valores e, junto a isto, a pitoresca característica de ser uma espécie de capital com grandes variações de preço, tomando-se como exemplo o Bitcoin, com variações diárias na casa dos 10%.

Por este ângulo, a brusca alternância de preços das criptomoedas abre portas para diversos comportamentos criminosos, como a manipulação de mercado e fraude com criptoativos através da prática conhecida como pump and dump.

A dita prática vem do inglês “inflar e largar”, sendo caracterizada como uma fraude ao mercado que ocorre quando um investidor se comporta de forma a valorizar um determinado ativo em benefício próprio, o que pode ser feito de diversas formas, como seria o caso, por exemplo, de tweets enviados pelo empresário Elon Musk afirmando que suas empresas passariam a aceitar a moeda digital Dogecoin como pagamento, fazendo com que a moeda valorizasse cerca de 30% em um único dia.

Logo, ao que tudo indica, essa prática é mais facilmente praticada por pessoas que detêm certa influência social, podendo modificar o preço dos ativos pela simples emissão de uma opinião.

Nesta linha, surge a indagação de que crime poderia ser caracterizado, no Brasil, caso alguém, com influência social suficiente para impactar a variação de mercado de certo ativo, emitisse uma opinião objetivando se beneficiar da súbita modificação do preço de uma criptomoeda?

Nesta circunstância, é possível considerar a punibilidade do agente que praticar pump and dump pelo crime de manipulação de mercado, previsto no Art. 27-C da Lei nº 6.385/76, que pune, dentre outras, a conduta de “executar manobras fraudulentas destinadas a elevar, manter ou baixar a cotação, o preço ou o volume negociado de um valor mobiliário”.

Portanto, há no ordenamento jurídico-brasileiro a previsão de um tipo penal que visa punir a prática da conduta de inflar preços artificialmente para beneficiar-se do lucro de sua variação.

Apesar disso, é importante que se atente à limitação do próprio Art.27-C – conhecida, tecnicamente, como “elementar do tipo penal” -, no sentido de proibir a mencionada conduta criminosa para volumes negociados de um valor mobiliário.

Por esse ângulo, a menção a “valor mobiliário” contida no dispositivo legal em comento assume especial relevância no âmbito do mercado de criptomoedas pois, até o momento, a própria Comissão de Valores Mobiliários (CVM) não considera as criptomoedas como ativo financeiro, conforme pode-se extrair do Ofício Circular nº 1/2018/CVM/SIN.

Por consequência, por não serem caracterizadas como ativo financeiro pela própria entidade reguladora do mercado de valores mobiliários, as condutas criminosas objetificadas com o uso dos criptoativos não poderiam, em tese, socorrer-se das penas do Art.27-C.

Sendo assim, trata-se de fraude financeira sem previsão concreta na legislação brasileira.

É importante mencionar que, no contexto apresentado nas linhas anteriores, a falta de punibilidade às fraudes com criptomoedas – que ocasionam diversos efeitos deletérios não só para os indivíduos afetados, mas também para a perda de confiabilidade no sistema financeiro nacional – advém, em grande medida, da ausência de regulamentação dos criptoativos em solo nacional, o que não só deixa brechas para as práticas criminosas, como também atrasa a evolução do mercado financeiro nacional.

Em conclusão, diríamos ainda que seguidamente a imprensa noticia que pessoas foram vítimas de golpes engendrados por indivíduos que se valem das criptomoedas, mas na realidade todas as circunstâncias indicam que se tratam de fraudes grosseiras as quais podem tipificar o delito previsto no artigo 171 do Código Penal (Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio ).

Apenas para exemplificar registramos o golpe praticado contra jogadores do Palmeiras, cujos envolvidos utilizavam a farsa de que realizavam aplicações em torno de criptomoedas, mas tudo não passava de uma armadilha, pois as fraudes eram típicas do delito de estelionato.

Referência Bibliográfica

LEI No 6.385, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1976 – Dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários.

https://canalcienciascriminais.com.br/o-crime-de-manipulacao-de-mercado-de-criptomoedas/

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/12/22/regulamentacao-do-mercado-de-criptomoedas-e-sancionada

 

Vilson Farias – Doutor em Direito Civil e Penal, e escritor                                            Aline Nogueira – Advogada                                

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