Dignidade da pessoa humana como fundamento para o combate a trabalho em condições análogas a de escravo

Vilson Farias. Foto: Divulgação

Como frisa o penalista Rogério Greco, o tipo objetivo do artigo 149 do Código Penal “sujeitar alguém à vontade do agente, escravizar pessoa humana” descrito na antiga redação desse artigo, depois da Lei 10.803 de 11/12/2003, continuam o mesmo, mas com o advento desta lei apenas explicitou as hipóteses em que se configuram as condições análogas a de escravo, como a submissão a trabalhos forçados, a jornada exaustiva, a trabalho em condições degradantes, a restrição da locomoção em razão de dívida com o empregador ou preposto.

A nova lei SIM acrescentou formas qualificadas punindo o crime com aumento de pena em metade.

Como ensina José Cláudio Monteiro de Brito Filho, o combate ao trabalho escravo ganhou expressão a partir da edição da Lei 10.803 de 11/12/2003, a qual na sua visão modificou substancialmente o artigo 149 do Código Penal Brasileiro, diz o jurista que na verdade desde a última década do século passado, antes da alteração, portando o Ministério do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho, por seus agentes já combatiam esta prática, primeiro de forma coordenada com estruturas específicas para esta atuação, tendo o último obtido razoável sucesso em suas iniciativas perante a Justiça do Trabalho.

Alterado o artigo 149 do Código Penal, todavia pela lei acima indicada, passou a ter a seguinte redação:

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:

Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

  • 1oNas mesmas penas incorre quem:

I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;

II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.

  • 2oA pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:

I – contra criança ou adolescente;

II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.”

Portanto, o que era tipo penal apresentado de forma sintética passou a ser definido analiticamente, com as condutas aptas a caracterizar o ilícito penal agora expressamente definido.

Em conclusão, nos limites de um artigo, diríamos que o bem juridicamente protegido é a liberdade da vítima, mas Rogério Greco ensina que quando a lei penal refere-se às condições degradantes de trabalho, existem outros bens juridicamente protegidos: “a vida, a saúde, bem como a segurança do trabalhador, além da sua liberdade.”

Por outro lado, como defende César Bitencourt, a conduta descrita no tipo penal “fere, acima de tudo, o Princípio da Dignidade Humana”, despojando-se de todos os seus valores éticos sociais, transformando-o em res (coisa), no sentido concebido pelos romanos.

É importante ainda registrar, como disserta José Cláudio Monteiro de Brito Filho, que o trabalho em condições análogas à de escravo, com certeza, é uma das práticas mais odiosas dentre as que podem ser encontradas na relação entre o capital e o trabalho. Durante muitos anos foi considerado como uma afronta direta à liberdade da pessoa, deixando de lado outras condutas que também tem o condão de negar ao ser humano a condição de ser dotado da dignidade, e que, por isso, assemelhavam a pessoa às coisas.

Alterado o artigo 149, do CP, em 2003, paulatinamente foi sendo alterada essa visão mais restritiva da prática, com a doutrina passando a acolher o entendimento de que o principal bem jurídico violado nos casos de trabalho em condições análogas à de escravo é a dignidade da pessoa humana.

Faltava, no entanto, somar a essa concepção doutrinária a visão do Poder Judiciário, pelo reflexo que seu entendimento tem na conduta das pessoas.

Vilson Farias – Doutor em Direito Penal e Civil, e Escritor                                          Leonardo Ávila: Advogado

 

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