O bilhete

Rubens Amador. (Foto: Divulgação/Arquivo pessoal)

Por Rubens Amador

Competente funcionário brasileiro de uma seguradora com sede em Paris, ganhou como prêmio por sua competência, férias na capital francesa por 30 dias. Já na Capital da Cultura, sentado no “Café Les Deux Magots”, com mesas na rua, nota que uma bonita e provável francesinha lhe encarava fixamente de mesa próxima. Ao retribuir aquele lindo olhar, sorri-lhe, e ela retribuiu o gesto. Nisto, ele nota que a moça chama o garçom e, olhando para ele com um sorriso nos lábios, escreve algo, pede que o serviçal leve aquele bilhete até a mesa do nosso patrício. O jovem logo pensou: “estas férias estão se tornando interessantes!”. Sentiu que a moça escrevera algo para ele.

Mas ao olhar para aquele bilhete, em seguida se deu conta que não conhecia francês o suficiente para lê-lo e procurou logo, com o olhar aflito, a figura daquela linda moça, bela promessa para sua maravilhosa estadia na velha Paris. Contudo, percebeu que ela se levantara rápido e se perdera na multidão que ia e vinha. Não a viu mais. Mas restava o bilhete que por certo conteria o seu endereço. Chamou o atendente e, por gestos, pediu-lhe que lhe dissesse se havia um endereço ali. O empregado sorriu marotamente e começou a ler aquele bilhete enquanto ele avidamente perscrutava o semblante do empregado do “Les Deux Magots”. Notou que a fisionomia do homem se modificava e empalidecia. Em seguida, o garçom dobra o papel, o devolve às mãos de nosso herói aqueles dizeres e assume uma atitude enérgica para que ele saísse do café imediatamente. Ele tentou – com gestos – dizer que não entendia aquela reação, mas o homem nervoso fala em “gendarme”, que ele sabia que queria dizer polícia. Quis pagar sua conta, porém, o homem não quis receber nada. Gesticulava apenas para que ele se fosse. Saiu contrariado e intrigado com a atitude daquele francês mal educado. Mas lembrou-se que o gerente do hotel onde se hospedara, era um espanhol que gerenciara um grande hotel em Buenos Aires, segundo lhe contara, e que por certo iria lhe traduzir aquele bilhete que já o estava intrigando. Já frente ao gerente de seu hotel, pede-lhe, depois de contar-lhe o episódio do garçom no café que, por favor, lhe traduzisse aquelas palavras. O velho espanhol sorriu-lhe também com malícia e prontificou-se a fazer a leitura. Porém, mal começou a ler aquele bilhete, nosso herói nota que a fisionomia do homem também começa a se transformar. A seguir, devolve nervosamente a mensagem ao seu já estupefato hóspede, baixando o olhar – sério – e entrega-lhe o bilhete dizendo-lhe: “saia do hotel imediatamente!”. Nosso patrício tentou argumentar: “mas senhor, diga-me o que acontece? Por que isto?”. O gerente praticamente vocifera: “saia do hotel imediatamente!”. O pobre hóspede daquelas, agora frustrantes férias, não tem alternativa a não ser fazer suas malas e retirar-se daquela hospedaria, completamente intrigado e até assustado com o que estava acontecendo.

Mas tão pronto se acalmou, ainda no táxi que o levava, pensou no diretor geral da empresa para quem trabalhava e que o recebera dias atrás tão gentilmente. Já no gabinete do chefe geral, em Paris, depois de contar-lhe o que vinha acontecendo com o bilhete daquela francesinha, pediu-lhe que o traduzisse e que, por certo, fecharia aquele quebra cabeça. Seu chefe, com gesto de cabeça, mostra-se disposto a ler para ele o bilhete. Ao passar ao executivo parisiense a malfadada mensagem, pediu-lhe que por favor, compreenda que ele ignora do que trata aquele texto.

O chefe, apesar de ser um cidadão austero, deixa escapar um discreto sorriso também, pensando em uma galanteria. Coloca os óculos e à medida que lia o bilhete, sua fisionomia se contrai, deixando seu subalterno desconcertado. De repente, o homem levanta-se resoluto e ordena: “prepare suas malas e volte para o Brasil imediatamente. “Mas Dr. Georges, eu…”. O chefe, de cabeça abaixada, repete quase entre dentes: “já lhe disse. Suas férias terminam aqui. Volte imediatamente para o Brasil”, retirando-se sem sequer se despedir, deixando o funcionário só e perplexo com o que sucedera, parado, em pé.

Temendo perder o emprego, atônito, providencia seu imediato retorno após somente 10 dias de estada naquele país maravilhoso, onde deveria ficar 30. Parecia-lhe que sonhava e que tudo aquilo não estava acontecendo! Estava pasmo, decepcionado e muito intrigado com tudo aquilo. Já no avião de retorno ao Brasil, aqueles acontecimentos que estava vivendo não lhe saiam da cabeça. Em sua mão, aquele bilhete misterioso e maldito que temia mostrar a quem quer que fosse, no avião.

Mas lembrou-se ternamente de sua velha professora de quando estudou no ginásio, uma francesa que vivia há mais de 50 anos no Brasil e que tinha sido sua mestra e amiga de sua mãe. “Madame Marie me haverá de traduzir esta maldita mensagem! É ela, só ela que me conhece bem e com quem tenho respeitosa intimidade que me haverá de ler este bilhete misterioso”. Pensou animado. Descendo no Rio de Janeiro, de volta, após dois dias de ter se reapresentado na firma e dito que voltara porque havia adoecido fortemente de sua coluna, tomou um trem e foi até a cidade vizinha, de Vassouras, no Estado do RJ, onde morava madame Marie.

Chegando lá, foi muito bem recebido e, então, contou com minúcias tudo o que tinha lhe acontecido em Paris. E lamentou não conhecer o idioma francês, pois sempre tivera muita dificuldade para com línguas, senão teria lido aquele bilhete infeliz que lhe causara tantos transtornos e aborrecimentos. Pediu com muita ênfase à Madame, sua ex-professora, que, se porventura tivesse algo de pornográfico naquele papel, de terrível ou ameaçador, que ela o perdoasse, pois ele ignorava tudo, conforme já lhe havia contado.

Madame, muito compreensiva, garantiu-lhe que não se preocupasse que com ela não haveria de nada acontecer, já que estava bem inteirada do mistério que envolvia aquele papelucho. Ele ainda praticamente implorou: “Madame Marie, pela memória de seu filho, prometa que nada vai fazê-la se voltar contra mim após a leitura deste bilhete”. “Prometo, meu filho. Dá-me a mensagem que também já estou curiosa”.

Então, ele levantou-se da cadeira, meteu a mão no bolso interno de seu casaco. Depois no outro. Sofregamente foi aos bolsos da calça. Sem êxito. Abriu o casaco e procurou nos bolsos do colete que vestia. Passou a mão no bolsinho da camisa. Revisou tudo, apalpou-se, olhou pelo chão em volta – nervoso – e, então, se deu conta de que perdera o bilhete. F I M!

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