O alcance do tipo penal de homicídio culposo de trânsito (artigo 302 do CTB): uma análise do modelo funcional moderado de Claus Roxin

Vilson Farias. (Foto: Divulgação)

Inicialmente, sabe-se que o homicídio culposo de trânsito é uma das principais e mais recorrentes infrações penais associadas à mobilidade urbana. O art. 302 do CTB define a responsabilização penal do condutor que, por imperícia, imprudência ou negligência, causa a morte de outrem no trânsito. Frente corriqueira ocorrência de acidentes fatais, surge a demanda de analisar o alcance da norma sob a ótica do funcionalismo penal, especialmente no modelo proposto por Claus Roxin. O funcionalismo moderado de Roxin visa compatibilizar a prevenção geral e especial com princípios fundamentais do Direito Penal, como a proporcionalidade da pena e a culpabilidade. Assim, o trabalho de Leonardo Schmitt de Bem traz uma contribuição notória ao discutir a necessidade de adequação do modelo de imputabilidade penal em casos de homicídio culposo de trânsito.

O art. 302 do CTB tipifica o homicídio culposo na direção de veículo, impondo pena de reclusão e medidas punitivas adicionais. A norma busca equilibrar a punição ao condutor com os efeitos sociais de sua ação, diferenciando-se do homicídio culposo do art. 121, §3º, do Código Penal. Para a configuração do crime, são necessários três elementos: a conduta do agente, o nexo causal e o resultado morte, com a demonstração de negligência, imprudência ou imperícia, caracterizando a culpa stricto sensu.

Nesse sentido, o modelo funcionalista de Claus Roxin enfatiza que o Direito Penal deve servir a funções sociais específicas, alinhando-se à prevenção de condutas ilícitas e à proteção de bens jurídicos relevantes. Para Roxin, a responsabilização penal deve considerar a função preventiva da pena, sem desconsiderar princípios como a culpabilidade e a individualização da sanção. Na conjuntura do homicídio culposo de trânsito, essa abordagem permite questionar até que ponto a pena aplicada cumpre sua função preventiva e retributiva proporcional, considerando fatores como o dolo eventual e a culpa consciente. Em situações que existe a possibilidade de agravamento da pena, como o uso de álcool e substâncias psicoativas, por exemplo, a teoria funcionalista moderada sugere um procedimento diferenciado para evitar sanções injustas.

Outro aspecto importante a ser considerado é a distinção entre dolo eventual e dolo direto. No dolo eventual, o agente assume o risco de produzir o resultado, enquanto no dolo direto, por sua vez, há a intenção deliberada de causar a morte. A distinção entre essas modalidades impacta diretamente na qualificação jurídica do crime. Dentro do panorama do homicídio no trânsito, a caracterização do dolo direto é excepcional, mas pode ocorrer em situações em que o condutor tem intenção manifesta de utilizar o veículo como instrumento de agressão, como em casos de perseguições criminosas ou embates violentos no trânsito. Como exemplo, o Superior Tribunal de Justiça, em 2022, analisou um caso emblemático de uma policial civil, envolvendo dolo eventual em acidente de trânsito.

Incomodada com o barulho de uma festa próxima à sua residência, dirigiu-se ao local e efetuou disparos com arma de fogo para dispersar o público presente. Um dos tiros atingiu uma pessoa, resultando em morte. A policial foi acusada de homicídio qualificado, e o STJ concluiu que o dolo eventual no crime de homicídio é compatível com as qualificadoras objetivas previstas no Código Penal.

Por conseguinte, o homicídio culposo de trânsito é uma questão sensível no Direito Penal contemporâneo, requerendo um equilíbrio entre prevenção, punição e proporcionalidade. A análise funcionalista moderada de Claus Roxin, conforme interpretada por Leonardo Schmitt de Bem, permite uma reflexão aprofundada sobre os critérios de imputação penal e sua efetividade na proteção dos bens jurídicos envolvidos no trânsito. O modelo funcionalista sugere uma abordagem que equilibre a sanção penal com a realidade social, evitando punições excessivas ou desproporcionais e garantindo uma aplicação justa do Direito Penal. Assim, o estudo do art. 302 do CTB sob essa perspectiva contribui para um debate mais amplo sobre a eficácia da legislação penal de trânsito no Brasil.

REFERÊNCIAS

BEM, Leonardo Schmitt de. Título do Livro ou Artigo. Editora, Ano.
ROXIN, Claus. Política Criminal e Sistema do Direito Penal. Editora, Ano.
BRASIL. Código de Trânsito Brasileiro. Lei 9.503/1997.
O dolo eventual no crime de homicídio. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Inicio. Acesso em: 11 fev. 2025.

Vilson Farias, Doutor em Direito Civil, Penal e Escritor
Maria Fernanda Rinaldi, Acadêmica de Direito

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