A manchete desta reportagem foi baseada, em parte, no contundente desabafo de um 2º sargento, que preferiu não se identificar por temer represálias. Hoje na reserva da Brigada Militar (BM), ele resume o drama enfrentado pelos policiais militares gaúchos, especialmente, os que alcançaram esta graduação, mas também dos soldados que, atualmente, ganham em média R$ 4,5 mil líquidos.
A referência a “cemitério” carrega dois significados: o primeiro faz referência ao Banrisul, destino frequente para empréstimos, que acabam consumindo boa parte dos salários, deixando muitos policiais financeiramente sepultados na instituição. O segundo, mais trágico, refere-se ao número crescente de suicídios entre brigadianos, resultado, principalmente, da pressão nem tanto de superiores e decorrente do cotidiano que envolve cenas trágicas, mas, principalmente, do endividamento, que leva a transtornos psiquiátricos, entre eles a depressão.
Números oficiais mostram que, entre 2018 e 2023, 45 integrantes da BM tiraram suas próprias vidas. Segundo o sargento, esse fenômeno está diretamente ligado ao desgaste emocional causado pelas dívidas. “Muitos não suportam chegar em casa todo dia e ouvir da esposa que falta comida ou dinheiro para pagar contas básicas. O resultado é que, infelizmente, alguns de nós acabam metendo uma bala na cabeça”, lamenta.
Eles apontam alguns responsáveis pela situação, sendo os principais o governador Eduardo Leite (PSDB) e, consequentemente, quase a totalidade dos 50 deputados estaduais presentes à sessão em junho deste ano, no dia da votação que elevou os valores pagos para manter o IPE Saúde, entre estes, Luiz Marenco (PDT), um dos 48 que deram aval à iniciativa do Palácio Piratini.
Leite, por ter enviado à Assembleia Legislativa em seu primeiro mandato, também projetos de lei (PLs), todos aprovados, que, entre outros pontos, alterou as promoções na corporação, o que contrariou as promessas feitas pelo gestor à categoria durante suas duas campanhas. E Marenco, por ter votado a favor de outro PL, este, na atual legislatura, que elevou os valores para usufruir do IPE.
“O Leite, que tirou fotos com os nossos em nossas associações durante as campanhas, prometeu melhorias e, no fim, acabou, inclusive, com as promoções para quem integra a reserva. Desta forma, quem não faz e passa no curso para se tornar sargento, entra, se aposenta, e morre como soldado”, reclama o policial.
Eduardo Leite é o pior governador da história do Rio Grande do Sul. Já o Marenco, que era visto por nós como ‘o brigadiano de barba’, também fez promessas, levantou nossa bandeira e depois cravou uma faca nas nossas costas”, acusa.
Mas há outro descontentamento. “Anteriormente, para a Previdência, descontávamos 11% sobre o valor que excedia um salário mínimo. Agora, o desconto pode chegar a 22% sobre o total dos vencimentos. Para se ter ideia, o desconto para mim subiu de R$ 480 para R$ 1.150. Perdemos também o direito ao triênio, enfim… Perdas e mais perdas”, lamenta.
O servidor público aposentado, que serviu em Piratini, concluiu seu desabafo, acrescentando que a mordida final fica por conta do aumento do percentual pago ao Imposto de Renda, o que para grande parte da categoria só agravou ainda mais algo que já é crítico.
Outro sargento que pediu anonimato, também piratiniense e que se aposentou recentemente, endossa as críticas ao governador e ao deputado pedetista. Este último, ele acusa de trair a classe. “O PDT, até então, sempre lutou por nós. No primeiro mandato, o Marenco manteve essa postura, mas as vantagens oferecidas por Eduardo Leite fizeram com que ele passasse a votar com o governo. Ele traiu nossa confiança”, enfatiza. “Sem dúvidas, também para mim, este é o pior governador da história. Ele, junto com os deputados, tirou a comida da boca dos nossos filhos. Eu fui mais um a sofrer abalo psicológico. Me vi no limite e tive forças para não fazer uma besteira. Mas trabalhei com colegas, entre estes, muitos soldados, que não conseguiram suportar a pressão, principalmente, do endividamento e, quando menos esperávamos, chegava a notícia do suicídio”, completa.
Por fim, o policial deixa um recado. “A eleição de 2026 se aproxima e o Marenco vai precisar de nós e de nossas famílias outra vez. Teremos, então, a oportunidade de darmos a ele a resposta, e esta será nas urnas. Duvido que alcance votos suficientes para um terceiro mandato”.
Posição da ASSTBM
“A política desse governador para nós, me leva à convicção de que ele não gosta de brigadianos”, diz Ricardo Agra, sargento e diretor da Associação dos Sargentos, Subtenentes e Tenentes da Brigada Militar (ASSTBM), outro policial incisivo em suas críticas.
“Desde que o Eduardo Leite assumiu, em 2018, principalmente os salários pagos a partir dos soldados até os tenentes foram arrochados. Por baixo, entre ativos e inativos, para não menos que 31.500 praças, houve perdas. Esse aumento concedido e que está sendo parcelado não chegou para 17.800 componentes da tropa”, reclama.
De acordo com Agra, o governador foi contra a lei federal ao acionar o Supremo Tribunal Federal (STF), elevando a alíquota destinada à Previdência em 10.75%, percentual até então praticado e que hoje chega a 22%. A partir disso, o sargento afirma que houve uma redução ainda maior dos vencimentos entre os que têm os menores salários da corporação. “As datas para promoções, antes abril e maio, não são mais respeitadas por ele. Hoje, um soldado ingressa, faz e aprova no Curso Técnico de Segurança Pública e, ao contrário do que até então era regra, ao final da capacitação, não mais se torna sargento, ficando apenas habilitado a esta graduação, e à mercê da boa vontade do Eduardo para serem promovidos”.
O diretor da ASSTBM também estendeu a responsabilidade sobre a situação da categoria a toda base governista na Assembleia. “O Marenco é só mais um deles. A diferença dele para os demais é que antes jogava conosco, agora, assim como outras tantas siglas, cito o Progressistas e o MDB, bem como o PL, sendo a Adriana Lara um dos exemplos, ganhou cargos de confiança, sendo o outro motivo a liberação de emendas parlamentares, justificativa para esquecerem os discursos e promessas que fizeram a nós, passando a votarem segundo a determinação do governador”, arremata.
Ao se defender, Marenco reafirma: “Tava falindo, então, votei com convicção!”
“São mais de 37 mil brigadianos e, ao me reeleger, em relação a minha primeira eleição, aumentei três mil votos, ou seja, os policiais podem ter me ajudado, mas não foram os votos deles que me proporcionaram o segundo mandato”. Com esta frase, o deputado começou sua defesa ao ser ouvido pelo JTR, repudiando a acusação de que traiu a categoria.
“Fizeram uma fake news afirmando que eu queria alterar a letra do Hino Rio-grandense. Acabei descobrindo que foi um policial da BM o autor da notícia falsa. Foi eu quem os traiu ou eu fui o traído por um deles?”, indaga o parlamentar.
“Eu tenho sim lutado por eles. Se extinguiu o absurdo de ter o soldado Nível 3, e isso permitiu que algo em torno 9 mil destes passassem para o nível 2 e seus salários foram elevados de R$ 4.970,00 para R$ 5.916,00 (valor bruto). Não dá para contentar a todos. Afirmo a vocês da imprensa: nas minhas andanças como cantador, muitos são os praças que pedem pra tirar fotos comigo. Portanto, há sim brigadianos felizes com o Marenco”.
Em seu primeiro mandato, o parlamentar salientou ter sido contra tudo que prejudicou os PMs: a irredutibilidade, a extinção das promoções para os que integram a reserva e pelo fim de outros benefícios, como o triênio. “Ontem eu era bom, servia, e agora sou o que crava a faca nas costas? A aprovação das alterações foi quase unânime. Não existem motivos para ficar contra os demais?”. “Inclusive, sobre a retirada do direito à promoção, não só me posicionei contra como considero um absurdo, pois um policial pode ficar quase 30 anos na corporação e se aposentar como soldado”, ampliou.
Marenco fez questão de justificar seu voto com o governo, que alterou também os salários pagos ao funcionalismo estadual, destacando que não poderia focar só nos brigadianos, já que Leite encaminhou o PL em forma de “pacotão”. “Tive que pensar no todo e não nesta ou naquela categoria. Entendo que a maneira que o projeto foi enviado para análise foi uma sacanagem, afinal, nos deixou sem saída. […] O governo não é bobo. Nada chegou para nós de forma individual. Todo o funcionalismo integrava o pacote. Então, como votar contra se este era composto por pessoas que ganhavam só um salário mínimo, entre estes, funcionários de escolas e da Saúde, que agora têm no seu contracheque não menos que R$ 1.711,00. Alguns, que não se enquadravam nesta cifra, mas também ganhavam pouco, se hoje forem se aposentar, terão direito a quase R$ 7 mil mensais”.
Usando o termo “a ferida”, o pedetista opinou que a revolta de parte da BM contra ele é motivada pelo seu voto favorável a elevação dos valores hoje pagos para manter o IPE Saúde. “Também não gosto que metam a mão no meu bolso, mas alguém tem que pagar esta conta. O IPE estava praticamente falido, hospitais e médicos se descredenciando, o que, para mim, tem como causa o fato de 608 mil terem o plano, colocando todos os filhos, esposa e até sogras, por exemplo, mas somente 345 mil servidores pagavam para terem tal auxílio à saúde”.
À busca de uma posição do Palácio Piratini para respostas a pontos importantes abordados na matéria, recebemos da Subsecretaria de Gestão e Desenvolvimento de Pessoas (SPGG) apenas que a reestruturação das carreiras de Estado foi um trabalho desenvolvido pela administração para atender a demandas históricas das categorias de servidores. Para a BM e o Corpo de Bombeiros, o governo destaca a extinção Nível 3 da carreira de soldado, o que, segundo o Executivo estadual, irá beneficiar 9 mil servidores nas duas corporações. “A aprovação da reestruturação representou um momento histórico de valorização e uma demonstração do compromisso desta gestão com os servidores e a população gaúcha, pois tornam as carreiras mais atrativas”, enfatiza.