O meio virtual como forma de manter a convivência familiar em tempos de isolamento social

Carlos Eduardo Lamas (Foto: Divulgação)

Carlos Eduardo Lamas.
Advogado, especialista em Direito de Família

Relato de um médico italiano: “temos que decidir quem salvar, e se decide por idade e condições de saúde, como em todas as situações de guerra”. A situação extrema que a Itália vive se dá por circunstâncias relacionadas ao relaxamento do período de reclusão social, ficando evidente a necessidade de que essa prática seja assumida e efetivada por todos os cidadãos. Acontece que para exercitar as determinações de afastamento social, implica, por vezes, na restrição de um direito das crianças de ter a convivência equilibrada com seus pais.

Essa convivência familiar significa participar efetivamente da vida da prole, e isso só será concretizado através de um convívio quantitativo e qualitativo, mesmo que, para serem alcançados tais objetivos, faça-se uso de técnicas contemporâneas como os meios digitais (WhatsApp, Facebook, Facetime, Skype, entre outros). O não exercício deste direito-dever de convivência traz consequências indesejadas à mantença dos vínculos afetivos, a partir da intermitência, do intervalo ou da descontinuidade da convivência. Vivenciamos uma dificuldade momentânea para que este convívio físico seja exercido de forma plena, pairando sobre todas inúmeras dúvidas de como a situação pode ser resolvida. A resposta não é fácil, nem mesmo unânime entre os estudiosos. Mencionei em outro artigo a necessidade de um bom senso entre os pais para que essa convivência não seja prejudicada. Mas e se esse bom senso não existir, o que fazer? Precisamos de soluções e o judiciário terá que tomar decisões!

A preservação dos vínculos e da convivência devem ser mantidas, entretanto, não quando existem riscos à criança, por mais que tal situação possa parecer trágica, e o é. Suspender a convivência de forma total seria a melhor saída? Não, os danos emocionais causados pelo afastamento de um dos pais devem ser sopesados também nesse momento. Em situações que as crianças não são expostas a riscos, a convivência deve ser mantida, todavia, devendo ser tomadas todas as precauções orientadas pelas secretarias de saúde estaduais e municipais. Em alguns casos vemos a necessidade da suspensão da convivência (casos específicos). Se para manter a convivência a criança tem a necessidade de utilizar transportes públicos, sair da cidade, enfrentar qualquer tipo de aglomeração, não nos parece a melhor opção manter o convívio normal. Também, nos casos em que um dos genitores é médico ou profissional da chamada “linha de frente”, que estão expostos ao vírus, a suspensão deverá se dar pelo simples fato do risco eminente de contaminação, devendo a criança ficar, por todo período pandêmico, com aquele que não está exposto ao vírus. Nesse cenário, após o término do isolamento social, poderá, aquele que ficou afastado, ser compensado da falta de convivência em período posterior, possivelmente nas férias escolares. Mas pode-se perguntar: e se os dois trabalham ou estão expostos ao vírus? Nesses casos entendemos que a criança deverá ficar sob os cuidados de terceiro que tenha relação afetiva concreta com a criança; como tios, irmãos e padrinhos, por exemplo.

Outra hipótese, levando em consideração que a maioria das pessoas estão trabalhando em casa, é que o período de convivência se dê de uma forma mais espaçada, como comumente se vê nas férias, quando as crianças ficam quinze ou dez dias seguidos com os pais, fazendo com que haja uma menor circulação dos menores na rua, diminuindo os riscos de contágio. Importante salientar que tais situações não implicam em alteração de guarda, uma vez que é oriunda da autoridade parental, que não se altera nem mesmo em casos de divórcio ou dissolução de união estável. Pois bem, diante de toda a dificuldade imposta pela Covid-19 nesse momento, nós, operadores do direito, temos que ser criativos e a convivência por meio virtual é uma das práticas indicadas para o presente momento.

Em artigo publicado no XI Congresso Mercosul de Direito de Família, em conjunto com o colega José Faleiros Junior, já defendíamos a possibilidade do convívio por meio virtual, que no momento passa a ser mais pertinente ainda, tendo em vista a determinação de isolamento social. Além de propiciar a convivência, garante à saúde das crianças, propiciando-se, sem dúvidas, uma alternativa equilibrada para que não haja a completa ruptura do convívio. Porém, faz-se necessário, para que seja efetivada essa possibilidade, que as decisões judiciais fixem dias e horários para o contato virtual, sob pena de, se não concretizado por culpa daquele que está com a criança, aplicação de multa e até mesmo a inversão da guarda a depender da maneira que essa criança está sendo isolada dos demais familiares. O que se conclui, portanto, é que para garantir a convivência e os cuidados parentais precisaremos buscar alternativas que se adéquam à nova situação. Por fim, temos que entender que a pandemia é temporária, o que se objetiva com as possibilidades aventadas é minorar as consequências após o confinamento. Sigamos todos nesta luta contra o invisível, tentando de todas as formas proteger nossas crianças tanto do vírus como de qualquer consequência emocional advinda do fatídico isolamento social.

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