Vivenciamos um momento nunca esperado, um grande desafio. O isolamento social, por conta da pandemia do Covid-19, afetará diversas esferas sociais e econômicas e, em especial, as relações familiares. O problema que estamos enfrentando não vem desmistificado nos manuais jurídicos, muito menos iremos encontrar decisões dos tribunais país afora sobre questões relacionadas ao Direito de Família em momento de uma pandemia. É tudo novo, nunca vivenciado. Estamos trancafiados, prisioneiros de algo invisível a olho nu e, por óbvio, as relações familiares sofrem com isso.
A quarentena nos distancia de quem amamos, obriga-nos a conviver com a distância física, seja dos filhos, pais, avós, etc. Vivemos um momento ímpar. Os problemas que temos visualizado variam de questões relacionadas à convivência entre filhos e pais separados (recentemente um pai foi impedido de ter contato com sua filha até que cumpra a quarentena por ter voltado de país com grande número de infectados), dúvidas sobre pagamento de pensão alimentícia, convivência com os idosos, a um aumento considerável de violência doméstica.
Em toda questão que envolver conflito familiar na qual esteja em jogo o interesse de criança ou adolescente, deve ser evocado o princípio constitucional do melhor interesse desses, preservando, acima de tudo, sua integridade física e emocional. Sendo assim, na situação diferenciada em que vivemos, o convívio entre genitores e filhos pode vir a sofrer algumas modulações, caso assim indiquem o melhor interesse e a proteção integral dos próprios filhos, independentemente do modelo de guarda adotado. Privar as crianças do convívio com um dos seus genitores também não nos parece a melhor saída.
Manter a convivência, de forma diferenciada, adaptando-se às recomendações de prevenção, sem levá-las a locais públicos, sem deslocamento através de transporte público e passando um maior tempo com um e com outro sem alternância nos parece a melhor alternativa. Além disso, clama-se pelo bom senso dos genitores, colocando o interesse da criança acima de qualquer interesse próprio. Por óbvio, em casos específicos, em que o menor se encontra em grupo de risco, com recomendação médica de não sair de casa, faz-se necessário que haja uma obstrução à convivência, mas repetimos: apenas em casos específicos. Todavia, havendo discordância entre os genitores, cabe levar ao Judiciário para que seja decidida a situação pontual.
Nestes tempos, indica-se a utilização da tecnologia, como chamadas em vídeo, para que o isolamento físico não seja também um isolamento afetivo. Outro ponto que tem causado dúvida na população diz respeito à questão da pensão alimentícia, o que em nada mudou. Nenhuma obrigação alimentar deixou de existir por conta da pandemia. Só haverá alteração por determinação judicial, quando o Judiciário for provocado. E quanto aos idosos, sabidamente os mais vulneráveis ao vírus, como fazer para manter a convivência e protegê-los? Por conta dessa vulnerabilidade ao vírus, devemos usar nos idosos a mesma proteção já destacada aqui às crianças e adolescentes, ou seja, colocar o interesse e proteção deles acima de qualquer circunstância.
Em decisão judicial, no estado do Rio de Janeiro, foi concedida antecipação da tutela recursal para permitir que filhos, netos e nora mantenham contato virtual com uma mulher de 82 anos, vítima de AVC, que mora com sua outra filha, a qual estava impedindo a visita dos irmãos. Uma decisão interessante que demonstra que o Estado está preocupado, neste momento, em preservar a saúde dos idosos. Esses são apenas alguns dos problemas oriundos do isolamento social por conta do coronavírus.
O que se vislumbra, nesta conjuntura, é resiliência, bom senso, pois a maneira com que vamos enfrentar esse momento, com certeza, irá repercutir no desenvolvimento das crianças, bem como daqueles que também estão vulneráveis física e emocionalmente, nossos velhinhos. Se agirmos em solidariedade, principalmente com as crianças e com os idosos, venceremos a pandemia e sairemos fortalecidos como sociedade.
Carlos Eduardo Lamas
Advogado, especialista em Direito de Família