A mobilização dos partidos políticos para aprovar a maior anistia da história em benefício próprio, como bem escreve Paola Ferreira Rosa e Ranier Bragon – jornalistas – tem como pano de fundo o fato de que a maioria deles infringiu, nas eleições de 2022, as regras que estipulavam um repasse mínimo de recursos para a candidatura de pessoas negras e mulheres.
É oportuno registrar que dados oficiais das respectivas prestações de contas entregues ao TSE e analisados pela grande imprensa exibem que os candidatos pretos e pardos deixaram de receber R$ 741 milhões. Já em relação às mulheres, o descumprimento da cota atingiu a cifra de R$ 139 milhões. Lamentavelmente a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara já aprovou a Proposta de Emenda à Constituição da anistia, que perdoa o descumprimento das cotas de gênero e racial, bem como todas as irregularidades praticadas pelos partidos com o dinheiro público nos últimos anos.
A instalação de uma Comissão Especial de discussão do mérito, último passo antes da votação em Plenário. Logo após, para ser aprovada, a PEC precisa do apoio mínimo de 60% dos Parlamentares (308 de 513 na Câmara e 49 de 81 no Senado) em dois turnos de votação em cada casa.
Caso isto ocorra, ela é promulgada e passa a valer não havendo possibilidade de veto por parte do Executivo. Dos 33 partidos existentes em 2022, exclusivamente os nanicos UP e PSTU repassaram de forma proporcional às verbas públicas de campanha dos candidatos negros e pardos, enquanto o NOVO não usou verba pública.
No caso das mulheres, somente o PSOL, CIDADANIA, MDB, PMB, PSTU, PV, REDE e REPUBLICANOS fizeram repasses de verbas e valores superiores ao mínimo necessário.
Desde a proibição em 2015 de que empresas financiem candidatos, os cofres públicos passaram a ser a principal fonte de recursos das campanhas. Há dois fundos, o Eleitoral que em 2022 distribuiu R$ 5 bilhões aos candidatos, e o Partidário, que destina R$ 1 bilhão ao ano para as legendas.
Nos limites de um artigo, diríamos, por outro lado, reiterando o comportamento contraditório, o Congresso examina agora a Proposta de Emenda Constitucional nº 9 / 2023, segundo a qual não serão aplicadas quaisquer sanções, multa ou suspensão dos Fundos Partidário ou Eleitoral aos partidos que não preencheram a cota mínima de recursos ou não destinaram os valores mínimos em razão de sexo ou de cor.
O professor e advogado Miguel Reale Júnior sustenta que tal proposta, além de vergonhosa, perpetua a desigualdade de gênero e de cor, e destrói o espírito das ações afirmativas, endossadas constitucionalmente. Frisa, ainda, que as minorias são falsamente atendidas em ano eleitoral para serem depois abandonadas pelos partidos políticos, cujos deputados e senadores tem o desplante de usaram indevidamente o poder de legislar recebido do povo para garantir impunidade às suas entidades. E arremata dizendo que se trata de flagrante, portando, o desrespeito ao princípio da moralidade ao legislar em causa própria.
Por fim, diríamos, alicerçados neste grande Mestre do Direito, que tal procedimento do legislativo revela-se que lei e normas constitucionais em prol da igualdade surgem para inglês ver, um faz de conta, pois logo lhes são retirados os efeitos, em afronta aos princípios cardiais de nosso arcabouço constitucional. Na realidade, a PEC nº 9 / 2023 atinge a Constituição e toca matéria muito sensível, que só acentuará a desconfiança sobre o Parlamento.
Vilson Farias
Doutor em Direito Penal e Civil, e escritor
Leonardo Ávila
Advogado