Pelotas há 27 anos

Sérgio Corrêa, jornalista e radialista.

Em 1998, o povo gaúcho elegeu Olívio Dutra como governador do Rio Grande do Sul. Ele foi o primeiro político eleito pelo Partido dos Trabalhadores (PT) para comandar o Estado e seu mandato foi de 1999 a 2002. Na mesma eleição de 1998, a Zona Sul elegeu Fernando Marroni como deputado federal, também pelo PT.

Na eleição de 2000 para o Executivo municipal, o PT apresentou Marroni como candidato. Eleito prefeito, ele renunciou ao mandato de deputado federal para governar Pelotas entre 2001 e 2004.

Nesse meio tempo, em 2002, Luís Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores, foi eleito presidente da República pela primeira vez para governar o Brasil de 2003 a 2006.

Com Olívio Dutra no governo do Estado e Lula na presidência da República, os quatro anos de governo Marroni foram constituídos de parcerias com Olívio e Lula. Este cenário consolidou Fernando Marroni como candidato natural do PT à reeleição em 2004.

Quem reelegeu Fernando Marroni 20 anos depois?

Não há uma única resposta, pois elas são múltiplas, mas trataremos aqui do contexto dos últimos 20 anos. A resposta mais óbvia para a pergunta título deste tópico é: os eleitores que votaram em Marroni, a militância do PT e pode-se acrescentar a insatisfação da população com os governos do PSDB. Contudo, para melhor compreensão do pensar na dimensão política, é necessário observar as interações políticas nos últimos 20 anos.

Pelotas em 20 anos

Marroni foi reeleito prefeito de Pelotas 20 anos depois por vários fatores e aqui vamos especular alguns deles.

Dentro do Partido dos Trabalhadores, a oposição aos governos que se sucederam em Pelotas nos últimos 20 anos, Marroni era o nome com possibilidade de ganhar a eleição, sobretudo pelas condições em que se encontra Pelotas e pelo desgaste político causado pelos “cupins” no poder.

Não são os cupins que se alimentam da madeira. São “cupins políticos” – categoria criada por este colunista para definir os políticos que se apropriam de partidos com o objetivo de usar as siglas para empregarem-se e ainda eleger algum vereador que será o atravessador das relações de um escambo político entre Legislativo e Executivo.

Os “políticos cupins” emprestam o apoio através do partido ou de vereadores eleitos a uma chapa majoritária que concorre ao Executivo – chapa esta que pode ser pura, de um único partido, ou formada por uma coligação. Este apoio não é solidariedade política, ele é um escambo. É um negócio onde o apoio mais valioso acontece no primeiro turno da eleição. Em troca desse apoio, a chapa concorrente, se eleita for, oferece espaços de poder, cargos e secretarias. Porém, um segundo turno de eleição acirrado torna-se um negócio tão atrativo quanto o primeiro turno.

Lembremo-nos: eleição é um negócio, nenhum político ou partido apoia outro gratuitamente ou por ideologia. Deve haver algo em troca.

Pelotas em 20 anos II

Para a eleição de 2004, os partidos de oposição ao PT em Pelotas estavam em ebulição, procurando um nome que derrotasse Marroni. Hoje é possível perceber que, naquele período, os partidos com diretório em Pelotas não alugavam as siglas. A maioria apresentava candidaturas ao Executivo. Cito duas como exemplo: na eleição de 2000 disputaram Nelson Harter (MDB) e Alexandre Brito (PSDB).

Assim como na eleição anterior, em 2004, a maioria dos partidos apresentou candidatos a prefeito. Alguns, jovens na política pelotense, como Adriane Rodrigues (PDT) e Luiz Eduardo Longaray (MDB). Já outros, nem tanto, como Gilberto Cunha (PSDB) e Mario Filho (PSB). A velha política pelotense parecia não acreditar nos novos nomes. Diante disso, foram buscar em Porto Alegre o ex-prefeito Bernardo de Souza – o idealizador do projeto “Todo Poder Emana do Povo”, uma espécie de primeira versão do orçamento participativo do PT.

Bernardo, afastado da cidade há alguns anos, tornou-se uma incerteza para alguns que questionavam seu capital político, mas para outros ele era a certeza de vitória.

Entre certezas e incertezas, para diminuir o risco de uma derrota, era preciso encontrar um candidato a vice com currículo político qualificado. Eis que surge Fetter Júnior, com currículo de candidato a prefeito, mas aceitando ser vice de Bernardo. Eram dois candidatos qualificados ao cargo de prefeito disputando contra um não menos qualificado. Em analogia ao futebol, era como se um time tivesse dois camisas 10 e o outro somente um.

Pelotas em 20 anos III

Por que “políticos cupim”? Falando em primeira pessoa, busquei propor uma analogia.

Quanto maior o número de cupins se alimentando de uma madeira, mais rapidamente ela se deteriora e vira pó, sendo corroída pela fome destes insetos.

Quanto maior o número de partidos, de políticos e de apadrinhados dentro de um governo, maior é a fome de poder, seja por cargos ou por secretarias. Chegamos ao ponto desta fome se tornar autofágica, pois, além de devorar o próprio governo e alguns partidos a longo prazo, devoram-se uns aos outros no percurso.

O crescimento de “políticos cupins” nos últimos 24 anos em Pelotas

Faço aqui uma linha do tempo das eleições nas últimas décadas.

Eleição de 2000 – Fernando Marroni concorreu e se elegeu prefeito de Pelotas pelo PT com a coligação “Frente Popular” composta por quatro partidos: PT, PSB, PCdoB e PCB;

Eleição de 2004 – Fernando Marroni concorre à reeleição, novamente pela coligação “Frente Popular”, desta vez com três partidos: PT, PL e PCdoB;

Em 2004, Bernardo Souza, Fetter Júnior, Fabrício Tavares, Eduardo Leite, Paula Mascarenhas e muitos outros se uniram para vencer as eleições daquele ano.

Eleição de 2004 – Bernardo de Souza (PPS) e Fetter Júnior (PP) concorreram e venceram a eleição pela coligação “Unidos por Pelotas” composta por quatro partidos: PPS, PP, PTB e PV;

Eleição de 2008 – Fetter Júnior (PP) e Fabrício Tavares (PTB) disputaram e venceram pela coligação “Pelotas em Boas Mãos” composta por cinco partidos: PP, PPS, PTB, PRB e PR;

Eleição de 2012 – Eduardo Leite (PSDB) e Paula Mascarenhas (PSDB) disputaram e venceram pela coligação “Pelotas de Cara Nova” composta por nove partidos: PSDB, PR, PDT, PP, PPS, PRB, PSC, PSD E PTB;

Eleição de 2016 – Paula Mascarenhas (PSDB) e Idemar Barz (PTB) disputaram e venceram pela coligação “A mudança não pode parar” composta por 13 partidos: PSDB, SD, PR, PRB, PMDB, PTB, PSD, PV, PPS, PSC, PSB, PMB e DEM;

Eleição de 2020 – Paula Mascarenhas (PSDB) e Idemar Barz, desta vez PSDB, voltam a disputar, vencendo pela coligação “Vamos em Frente Pelotas” composta por oito partidos: PSDB, PTB, PSL, PL, PSD, Solidariedade, Republicanos e DC.

 

Pelotas em 20 anos IV

O enfoque deste tópico é a trajetória da oposição em Pelotas.

2000 – Marroni (PT) como candidato a prefeito e Mario Filho (PSB) a vice venceram a eleição unindo quatro partidos (PT/PSB/PCdoB/PCB);

2004 – Marroni (PT) como candidato a prefeito e Pastor Adelar (PL) a vice, em coligação com três partidos (PT/PL/PCdoB) perderam a eleição para Bernardo e Fetter Júnior;

2008 – Marroni (PT) como candidato a prefeito e Otávio Soares (PSB) a vice, em coligação com três partidos (PT/PSB/PCdoB), perderam a eleição para Fetter Júnior e Fabrício Tavares;

2012 – Marroni (PT) como candidato a prefeito e Dulce Harter (PMDB) a vice, disputando coligados com quatro partidos (PT/PPL/PSDC/PMDB), perderam a eleição para Eduardo Leite e Paula Mascarenhas;

2016 – Miriam Marroni (PT) como candidata à prefeita e Mattozo (PCdoB) a vice, em coligação composta por dois partidos (PT/PCdoB), perderam a eleição para Paula Mascarenhas e Idemar Barz;

2020 – Ivan Duarte (PT) como candidato a prefeito e Iyá Sandrali (PT), sem coligação, perderam a eleição para Paula Mascarenhas e Idemar Barz.

Pelotas em 20 anos V

O Partido dos Trabalhadores foi oposição durante 20 anos e foi derrotado em todas as eleições para o Executivo pelotense, por quê?

Talvez por ter se coligado com partidos de mesma matriz ideológica? Ou quem sabe por ter se coligado com poucos partidos? Confesso que não refleti sobre estes aspectos, mas trago a pergunta e algumas hipóteses para você, leitor(a), refletir e encontrar as suas.

Entretanto, após visitarmos os últimos 20 anos da política em Pelotas, parece não haver dúvidas de que o PSDB e uma legião de políticos e partidos “cupins” devoraram as possibilidades de partidos de centro ou de direita de disputar a Prefeitura. Isto porque, já durante a eleição, estes partidos eram parte do governo ou eram cooptados a entrar. Assim, foi-se aniquilando a possibilidade de surgimento de novas lideranças.

Pelotas em 20 anos VI

Nesses 20 anos, a eleição com maior número de candidatos a prefeito foi a de 2020, com 11 candidatos. Com exceção da oposição, alguns partidos que tinham cargos no governo ousaram desobedecer ao PSDB e lançaram candidatos.

Foi vergonhoso para partidos tradicionais, como o PP, que acabou se dividindo. Com isso, Fetter Júnior nem chegou ao segundo turno. Já o MDB não alcançou sequer a votação para vereador. Em síntese, destes 11, os cinco candidatos a prefeito que ocuparam as últimas posições somaram míseros 11.255 votos.

O candidato Coronel Napoleão (PRTB), que pouco conhecia Pelotas, fez 4.874 votos. Mais votos que Marco Marchand (DEM), que obteve 3.593 votos; que Dan Barbier (PDT) que teve 3.310 votos; Marcelo Oxley (Podemos), que atingiu 2.503 votos; João Carlos Cabedal (PMDB), que obteve 1.139 votos; e Eduardo Ligabue (PCO) que teve 71 votos.

Pelotas em 20 anos VII

Os últimos 20 anos em Pelotas foram bons para quem esteve empregado na Prefeitura e na Câmara de Vereadores como “CC” (cargo em comissão), com salário garantido todo mês. Isso enquanto havia madeira para os cupins se alimentarem, ou melhor, enquanto o mesmo grupo estava no poder.

Quando citei que este processo foi autofágico, foi lembrando que, no meio do caminho, destruíram o PTB. Agora, o próprio PSDB quer uma fusão com outros partidos. O PSDB existe em Pelotas enquanto o deputado Daniel Trzeciak permanecer no partido, visto que ele é a única liderança local. No entanto, de que adianta ocupar este posto em um partido que pede socorro por uma fusão?

Pelotas em 20 anos VIII

Na Câmara de Vereadores, os que fizeram parte do Legislativo nesse período têm, em grande medida, responsabilidade pela herança deixada para o povo pelotense. Basta ver a omissão e falta de fiscalização dos vereadores sobre as obras do Theatro Sete de Abril, que tinha previsão de voltar a funcionar em dezembro de 2023.

Mais de um ano depois, em janeiro de 2025, segundo o atual prefeito Fernando Marroni, muita coisa ainda precisa ser feita, pois falta mobiliário, climatização, manutenção na parte elétrica, no telhado, dentre outras omissões que demandam novas licitações e obras que podem levar muito tempo ainda.

Pelotas em 20 anos IX

Qualquer pessoa que viver por 30 dias em Pelotas cotidianamente como um pelotense – utilizando o transporte coletivo, o atendimento em saúde, a rede escolar e a mobilidade urbana – vai visualizar centenas de pessoas em situação de rua, vivendo como pedintes e com certeza não vai acreditar que esta cidade é a terra do governador do Estado.

Pelotas em 20 anos X

A vitória de Fernando Marroni e Daniela Brizolara (PSOL) se deve a muito do que foi relatado aqui e que o povo pelotense não deseja que se repita. Que os 20 anos de derrotas do PT e da oposição pelotense sejam a melhor experiência política. Apesar disso, o voto de confiança em 2024 na oposição de 20 anos é uma mensagem cristalina: a Pelotas de hoje não é a Pelotas que queremos e, por isso, esperamos mudanças de verdade.

3 comentários

  1. Espetacular o relato feito pelo colunista Sérgio Corrêa a respeito da história recente da política pelotense . Vivi todo o período relatado e digo que a crônica contempla absolutamente toda a verdade . Parabéns , Sérgio . A verdade acima de tudo é teu lema e continua assim.

  2. Excelente retrospectiva dos últimos 27 anos das eleições e da política da nossa querida cidade de Pelotas.
    Hoje não temos lembranças boas da nossa cidade, só decepção.
    Espero que estes quatros anos que está começando, possam realizar um trabalho e termos uma perspectiva melhor.

  3. selete retrospetiva de 27 anos do poder dos tucanos que só afundou o munícipio sem industrias uma cidade que só depende do comercio e de aposentados para economia da cidade para piorar um pedagio mais caro do Brasil zona sul do estado esquecida não podia estar pois governador atual é pelotense que vira as costas para o município.

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