Natureza, a nossa casa

Sérgio Corrêa, jornalista e radialista.

Aos leitores da coluna, dedico uma reflexão sobre as transformações que grande parte das pessoas sofreram ao migrar do campo para a cidade.

Percorrendo avenidas, ruas e vielas, olhando com mais atenção bairros e vilas de Pelotas, vou nutrindo a certeza de que aqueles que ainda moram ou moraram no campo e migraram para Pelotas vão entender perfeitamente os sentimentos que estão implícitos neste texto.

O conteúdo da coluna é fruto de meu pensamento, quando fiz o “Papo do Dia” no Programa Hora Marcada da última terça-feira (30). No entanto, admito que, na quinta-feira (1º), transcrevendo o referido conteúdo para este espaço de jornalismo e opinião, ao ouvir a música “Guri de Campo”, composta pelo amigo Juarez Machado de Farias e interpretada por Cristiano Quevedo, “aprimorei o faro”, da fala para a escrita. “No mais, eu não mudei”, e também busquei na janela a inspiração para falar do campo, estando na cidade.

Pensando em natureza, somos obrigados a refletir sobre a mudança de comportamento das pessoas que migraram do campo para a cidade. Quem já morou e os que ainda moram no campo são viventes de uma experiência única com a natureza!

Você, leitor(a), conversa com as tuas plantas?
Na cidade é possível conversar com as plantas, com as flores no jardim, com as hortaliças na horta. Essa mesma conversa no campo é diferente! O silêncio do campo é rompido pela melodia interpretada pelo sopro do vento nas folhas das árvores, pelo canto dos pássaros, pelos rios, córregos e cachoeiras que bradam através do incessante movimento das águas.

É nesse ambiente que vivem os moradores do campo: na sombra das árvores, contemplando o barulho da água nas pedras, nos troncos de árvores, da queda da água na própria água, como se fosse uma canção. O cantar dos ventos, o voo dos pássaros, o verde dos campos – tudo é vida, como a nossa própria vida.

São homens e mulheres felizes, mas, que nem sempre têm a dimensão dessa felicidade, tanto que muitos mudaram-se para a cidade, em busca de uma vida com mais conforto e bens materiais que possam lhes trazer uma suposta felicidade.

Depois de um tempo, o sonho vai se transformando, principalmente quando passam a viver em meio aos corpos de pessoas dormindo ao relento em portas de agências bancárias, em meio ao lixo exposto em amontoados de garrafas, sacos plásticos, sacolas de supermercado, baganas de cigarro, latas de cerveja e tantos outros materiais descartados em qualquer lugar na cidade.

O vento por vezes traz lembranças dos pés descalços na terra, das mãos semeando as sementes do amanhã no templo chamado natureza, que foi confiado por Deus a nós, humanos. Resta, então, a saudade e a certeza de que a vida urbana contribui para o apagamento do olhar, do viver e do pensar na natureza como pensamos em nossas próprias vidas.

Meu olhar diário sobre as atitudes dos humanos na cidade estabelece a frequência de reflexões sobre o comportamento das “pessoas urbanas”, como chamo os moradores das grandes cidades. Para estes, parece-me que as áreas rurais, a natureza, os rios e os povos indígenas só existem nas imagens de novelas, filmes ou séries. Sendo assim, não se apercebem dos crimes que cometem contra a nossa própria casa: a natureza.

Não bastasse esta transformação criminosa da relação entre humanos e natureza, patrocinada pelo capitalismo, o Congresso Nacional Brasileiro comete mais um crime – não somente contra a natureza, mas, também contra os povos indígenas – ao estabelecer um marco temporal para ocupação de terras por aqueles que sempre foram os ocupantes da terra! Os indígenas concebem a terra como algo vivo, como parte de nós, e não como uma “coisa”, da qual podemos ser proprietários e exploradores desmedidos.

Os povos indígenas caçam, pescam, plantam e colhem frutos da natureza para o consumo de um único dia, não exploram a terra em prol da acumulação de bens ou de capital.

Esta semana, os exploradores que habitam o Congresso Nacional, deputados e senadores, querem determinar uma data que definirá o direito a terra pelos povos indígenas. O direito dos povos indígenas sobre as terras é originário, deve ser permanente e se transformar em cláusula pétrea da Constituição Federal! Após a votação no Senado, que ainda pode corrigir o erro da Câmara dos Deputados, voltaremos a falar sobre o assunto.

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