Memória e aprendizado

Sérgio Corrêa, jornalista e radialista.

Nesta última edição de abril, mês que se comemora o Dia dos Povos Indígenas, a coluna propõe uma reflexão que entrecruza a memória de fatos acontecidos no Brasil com a concentração da população brasileira em áreas urbanas, separando a sociedade da natureza a partir de uma ontologia moderna ocidental produzida por modelos econômicos vigentes.

Mudanças que aconteceram com a migração de pessoas do campo para a cidade, da produção agrícola para a produção industrial e comercial nos grandes centros urbanos.
A Constituição brasileira promulgada em 1988, após 34 anos de uma ditadura civil militar, período em que direitos do povo brasileiro, assim como dos povos originários foram suprimidos, buscou construir um texto constitucional que abarcasse direitos já existentes, assim como, novas leis para legitimar as construções sociais que permearam a sociedade brasileira nesse período.

A Constituição Federal de 1988 traz em um dos seus capítulos, dedicados a estabelecer direitos e garantias aos povos indígenas, tratados pela nomenclatura “Índios”, o seguinte texto:

CAPÍTULO VII – “DOS ÍNDIOS”

Artigo 231 – São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

1. São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

2. As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios, dos lagos nelas existentes.

3. O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivadas com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados das lavras, na forma de lei.

4. As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas são imprescritíveis.

NO “ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS” Artigo 67 – A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição.

Aqui foram suprimidos os incisos 5,6 e7, além do artigo 232, os quais aconselhamos a leitura.
Fonte: Constituição da República Federativa do Brasil.

Como fazer grupos econômicos e políticos extrativistas, anti-indigenismo, anti-ambientalismo e pregadores do negacionismo climático, cumprirem a constituição?
Políticos e grandes grupos econômicos desconsideram e negam a revisão de direitos, assim como a contribuição dos povos indígenas para a preservação da biodiversidade e da própria existência humana.

O desastre ambiental causado pelo rompimento da barragem de rejeitos de minério de ferro conhecida como Barragem de Fundão, no município de Mariana em Minas Gerais, é o exemplo de crime contra a vida em suas diversas formas, contra a natureza, além de violação dos preceitos constitucionais.

Aproveitando-se da morosidade do judiciário, oito anos depois outras barragens permanecem ativas, em constante ameaça a outras populações.

Para os brasileiros urbanos, o desastre de Mariana foi mais um, visto pela TV, no entanto, para o povo indígena Krenak foi a morte.

A morte de um familiar, morte do Watu, que é mais do que um rio, é a fonte de recursos naturais que garantem a sobrevivência. Para o povo Krenak o rio contribui espiritualmente para a concepção e construção da pessoa Krenak.

A morte do rio causou aos Krenak dependência. Com o rio e as terras contaminadas, os indígenas passaram a depender do fornecimento de coisas básicas como água e alimentos que eram obtidos na natureza, alterando o ciclo material e espiritual da vida Krenak.

Esta concepção de valores prevalentes no poder econômico coloca para a raça humana, para a política e para a justiça o desafio do reconhecimento de direitos a partir de outros valores, cosmovisões e ontologias dos povos indígenas.

“De tanto o homem explorar as riquezas naturais, um dia elas acabarão, então, não será o fim do mundo, mas, o fim da raça humana”.

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