
A principal causa da morte das plantas de pessegueiro, a denominada morte precoce, é a asfixia das raízes, provocada pelo encharcamento do solo decorrente das chuvas de primavera-verão. A afirmação é do engenheiro agrônomo Nelson Finardi, pesquisador aposentado da Embrapa Clima Temperado e que trabalhou 28 anos com a cultura do pêssego, tema que inclusive foi alvo de sua tese de doutorado na área de Fruticultura, em Montpellier – França. Foi produtor de pêssego por 30 anos e presidente da Associação da Cadeia Produtiva de Frutas e Hortaliças da Zona Sul (Cafh Sul) por um ano. Também presidiu a Associação Gaúcha dos Produtores de Pêssego (AGPP) por dois mandatos e fundou e presidiu a Cooperativa dos Fruticultores da Zona Sul (Cooperfrutis), hoje desativada.
Ele acompanhou ao longo dos anos, a implantação de diversos pomares e aponta um caminho: “Deve-se evitar o encharcamento prolongado do solo na região das raízes”, salienta. O problema pode ser observado em diversos locais do pomar, diz Finardi. “Nas extremidades das curvas, ao longo das filas das plantas, em manchas do solo, mais ou menos úmidas”, observa. No entanto, acrescenta que não ocorre todos os anos e com a mesma intensidade, vai depender das condições de encharcamento do solo e das chuvas prolongadas de primavera-verão do ciclo vegetativo anterior.
A escolha do local para implantação do pomar é fundamental e por isso, aconselha selecionar área com declividade (meia-encosta), que possibilite a construção de camalhão de base larga (mínimo de três metros) em curvas com desnível em torno de 1%. “Mesmo em solos considerados bem drenados, deve-se usar o camalhão, pois o período de encharcamento prolongado pode reduzir a percentagem de oxigênio em níveis críticos pra o pessegueiro”, afirma Finardi, menos de 5%, calcula.
“Chuvas de inverno não causam o problema”, comenta o agrônomo. Segundo ele, a causa da morte, asfixia das raízes, conhecida a nível nacional e internacional, é devido às águas das chuvas de primavera-verão. “Pode ocorrer morte por outras causas (pragas, doenças, herbicidas sistêmicos, etc), mas em percentuais muito menores se comparado à asfixia. Deve se dispensar especial atenção na análise da sintomatologia apresentada”, explana.
Antes de preparar o solo para a implantação de novos pomares ele recomenda observar outros pomares existentes na colônia que não apresentem o problema. “Conversem com o produtor sobre a forma como foi estabelecido o pomar e as práticas de cultivo posteriores”. Ele chama a atenção ainda para o uso indevido de herbicidas sistêmicos nos primeiros anos.
Segundo ele, a morte de pessegueiro se tornou mais evidente a partir de 1970, quando foram implantados grandes pomares na região, com incentivos fiscais do reflorestamento. “De maneira geral, era utilizado para o pessegueiro, toda a área destinada ao projeto de reflorestamento, mesmo os locais planos ou mal drenados, que evidenciaram o problema nos anos subsequentes”, afirma. Nos últimos anos, se tornou recorrente e um dos principais problemas no cultivo da frutífera na região, diz.
Ao longo dos anos, a mudança na forma de implantação do pomar contribuiu para o aumento do problema, ressalta. “Passou a ser usado, sem a recomendação da pesquisa, o plantio em linhas retas paralelas e sem a devida atenção ao escoamento das águas das chuvas, que se acumulam principalmente nas ravinas”, observa. Segundo ele, a situação se agrava com o uso de camalhão de base estreita (mais ou menos um metro), que se torna uma barreira para o escoamento dessas águas.
Ele alerta para alguns sintomas apresentados no final do ciclo vegetativo, após a colheita.
“Pode ser observado amarelecimento e queda antecipada de folhas”, observa. Segundo o pesquisador, no ciclo seguinte, durante o inverno, por ocasião da floração e brotação, os danos se tornam mais evidentes, com a morte de alguns ramos ou de toda a planta. “As gemas de flor e vegetativas dos ramos de produção, que tiveram crescimento aparentemente normal (mais ou menos 30 cm) não evoluem, estão mortos”, salienta. É observado também odor característico e escurecimento do comboio nos ramos mais grossos.
Finardi acrescenta que, entre outras características, o pessegueiro é extremamente sensível ao encharcamento do solo e, por isso, é mais afetado do que outras frutíferas em condições semelhantes de cultivo. “O pessegueiro faz parte de um grupo de plantas denominadas cianogênicas, que podem formar em seu interior o ácido cianídrico (HCN) ou Cianeto (CN), extremamente tóxico e que causam bloqueio da cadeia respiratória”, explica.
Mais informações sobre o tema podem ser obtidas a partir de artigo da Embrapa: Morte de plantas de pessegueiro e ameixeira por asfixia do sistema radicular, publicado na revista Pesquisa Agropecuária Brasileira, em 1992 e Horti Sul, da Embrapa CPACT e CNPUV, em 1995.
De acordo com o pesquisador, a asfixia ocorre quando a concentração de oxigênio próximo das raízes atinge níveis abaixo de 5%. Pode ocorrer hidrólise dos glicosídeos cianogênicos, com formação de diferentes compostos, com mais frequência o HCN, que bloqueia a cadeia respiratória causando morte parcial (alguns ramos) ou de toda a planta. Segundo ele, estudos atuais não levam em consideração pesquisas locais e em outros países, principalmente na França, a partir dos anos 1960.
O que diz a Embrapa
Em que época e que regiões vêm ocorrendo a morte em pessegueiro? É um fato isolado? Com que frequência ocorre e o que despertou o interesse da pesquisa?
A morte precoce do pessegueiro causa prejuízos econômicos significativos em pomares do Rio Grande do Sul desde o final da década de 1970, especialmente na região de Pelotas. Também ocorre nas regiões da Campanha e Serra Gaúcha com menor intensidade e, esporadicamente, em pomares de outros estados, como Santa Catarina. A região de Pelotas é, sem dúvida, a mais afetada pela morte-precoce do pessegueiro, onde pomares com até 90% de mortalidade foram identificados. Este problema não é um fato isolado, pois ocorre todos os anos, em maior ou menor grau, dependendo da combinação dos diversos fatores envolvidos. Os sintomas visíveis são: necrose de gemas, dos ramos, pernadas e troncos das plantas, que ocorrem a partir de maio e provocam morte parcial ou total da planta. O problema é bastante sério pois ocorre em plantas jovens (razão pela qual recebe o nome morte precoce), desde um até oito anos de idade, o que eleva os prejuízos dos fruticultores, que normalmente ainda não obtiveram o retorno do capital investido na formação do pomar. Como principal Centro de Pesquisas sobre frutíferas de caroço no Brasil, a Embrapa Clima Temperado vêm realizando pesquisas para elucidar este problema, focando principalmente na seleção e avaliação de porta-enxertos que possam ser tolerantes.
Já foi determinada a causa ou causas e o que os produtores vêm fazendo a respeito disso?
Existem várias hipóteses sobre o que causa a morte precoce. O grande problema é que todos os possíveis fatores envolvidos (qualidade de mudas, preparo inicial do solo, condições químicas, físicas e biológicas do solo, nutrição das plantas, condições climáticas, nível de adoção de tecnologias, como irrigação, realização de práticas culturais, como poda, etc.), ocorrem simultaneamente nos pomares, ou seja, não é possível isolar um único fator para apontá-lo como causa ou não do problema. Diversas situações diferentes já foram constatadas nos mais de 50 pomares visitados no Rio Grande do Sul e afetados pela morte precoce, desde pomares tecnicamente exemplares até os de baixíssimo emprego de tecnologias. Além da combinação de todos esses fatores, ainda temos de levar em consideração as decisões que os fruticultores precisam tomar frente a elevação dos custos de produção (aumento do salário mínimo e do dólar, o que encarece diversos insumos), a redução da oferta de mão de obra e dos preços praticados pelas indústrias, nos últimos anos. Os fruticultores que estão descapitalizados passam a adotar menos tecnologias nos pomares, o que tende a tornar as plantas mais vulneráveis aos fatores envolvidos nas causas da morte precoce, agravando o problema.
Qual tem sido a recomendação da pesquisa, já existe uma conduta? Qual a sua efetividade?
Especialmente nos últimos 20 anos, diversos trabalhos de pesquisas foram publicados sobre o tema morte precoce pela Embrapa Clima Temperado. Recentemente, publicamos o livro “Pêssego, nectarina e ameixa”, da Coleção 500 perguntas & 500 respostas, que é de livre acesso na internet: ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/202654/1/500P-500R-Pessego-nectarina-ameixa-ed01-2019.pdf. O capítulo 15 é inteiramente dedicado ao tema morte precoce. A resposta à pergunta n° 360 desta publicação contempla o resumo dos principais pontos-chave recomendados pela pesquisa para reduzir os prejuízos causados pela morte precoce, cuja efetividade vai depender do seu nível de adoção pelos fruticultores, pelas condições específicas de cada propriedade rural e do comportamento do clima, principalmente o nível de estiagem, no verão, e o excesso de chuvas, no inverno, que ocorre combinado com oscilação do frio e com a realização da poda.
Por fim, falem sobre a sua experiência com fruticultura.
Newton Alex Mayer: “Minha experiência com fruticultura vem de família. Meu avô cultivava pessegueiro na colônia de Pelotas e era proprietário de indústria de conservas. Meus pais eram agricultores e tinham no pessegueiro a sua principal fonte de renda. Após cursar Agronomia na FAEM/UFPel, realizei minha Pós-graduação (mestrado, doutorado e pós-doutorado) na Unesp de Jaboticabal-SP, onde desenvolvemos pesquisas com pessegueiro naquela região em que praticamente não há ocorrência de frio, o que exige um manejo diferenciado para viabilizar a produção. Desde 2007 sou pesquisador na Embrapa Clima Temperado, executando projetos de pesquisa envolvendo seleção e avaliação de porta-enxertos para frutíferas de caroço, com foco na tolerância à morte precoce do pessegueiro. Também tivemos a experiência de realizar pesquisas por um ano nos Estados Unidos, com a síndrome “Peach Tree Short Life”, que é muito semelhante à morte precoce que ocorre no Brasil”.
Bernardo Ueno: “A minha vivência com fruticultura começou desde criança, já que nasci em uma família de agricultores no interior de São Paulo, município de Botucatu, onde se cultivava algumas frutíferas como pessegueiro, ameixeira e caquizeiro. Segui estudando no curso de agronomia na FCA-UNESP Botucatu, SP. Tive a oportunidade de fazer curso de pós-graduação no Japão (mestrado e doutorado) na área de fitopatologia (doenças de plantas). Depois de algumas andanças pelo Brasil, trabalhando como docente e pesquisador no Paraná e em Brasília, fiz o concurso da Embrapa e vim para Pelotas no final de 2002. Como a unidade de pesquisa aqui trabalha com fruticultura, tenho desenvolvido atividades de pesquisa que envolve doenças em fruteiras que a Embrapa Clima Temperado trabalha, como por exemplo, o pessegueiro”.
Pêssego na região (Fonte: Emater)
A região tem implantados 4.962 hectares de pêssegos destinados para as indústrias locais de processamento da fruta, principalmente para pêssegos em calda, e ainda polpa, sucos, saladas de frutas e doce em pasta. A atividade envolve 953 produtores e as produções da fruta e da conserva são tradicionais da região, do Estado e do Brasil, com registros históricos da década de 60.
O destaque ainda é o município de Pelotas com a maior área cultivada, 2,7 mil hectares e o maior número de famílias envolvidas, 605 persicultores. A região é a maior produtora de pêssegos do Estado e do país. A safra anual da fruta fica entre 60 e 70 milhões de quilos da fruta e fabricação de 60 milhões de latas de pêssego em calda, comercializados em todo o Brasil.
No momento, intensificam-se nas propriedades as atividades de poda, toda ela executada manualmente. Até o início da última semana, 26% dos pomares estavam podados. Os produtores também realizam atividades de limpeza dos pomares e início das aplicações dos tratamentos de inverno. Segundo a Emater, os produtores de pêssego renovam junto aos agentes financeiros, com o apoio da entidade, as solicitações de custeio da safra.
As expectativas para a safra são otimistas, diante dos prognósticos de um inverno mais seco e frio, com as frentes frias avançando com força em toda a estação, resultando no acumulado de horas de frio necessário para a quebra de dormência natural da planta, boa floração e conversão em frutos. Segundo dados da Embrapa Clima Temperado, até a última semana do mês de maio, o acumulado de horas de frio era de 21 horas menores e iguais a sete graus. A média histórica para o mês de maio é de 62 horas.