Familiares e amigos de vítimas do incêndio da Boate Kiss, em Santa Maria, fizeram uma vigília em frente à casa noturna na madrugada desta sexta-feira (17). A caminhada começou na Praça Saldanha Marinho e seguiu em silêncio até a boate, a uma quadra de distância. Foi apresentada uma coreografia de dança retratando os eventos da tragédia e uma colagem de mensagens e imagens na fachada da Kiss. Uma maneira de extravasar a saudade e o sofrimento impostos pela tragédia que deixou 242 jovens mortos e mais de 600 feridos. O caso completa dez anos nesta sexta-feira.
O presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria, Gabriel Rovadoschi, agradeceu os participantes. “É muito importante ver tanta gente compartilhando desse momento, estando junto, caminhando junto, trilhando junto e registrando a história junto. E tendo a coragem de enfrentar o que a gente tem enfrentado de lembranças, de memórias. Sabemos que juntos a gente consegue muito mais”.
Para quem perdeu alguém naquele 27 de janeiro de 2013, essa história não pode ser esquecida nem silenciada.
Parte da programação para resgatar a memória após os 10 anos do incêndio ocorreu hoje na Praça Saldanha Marinho em Santa Maria. É uma exposição que traz fotos de jovens que morreram na tragédia com a simulação de como estariam hoje. Umas das homenageadas é a Andrielle, filha de Ligiane Righi.
“Eu sinto que a gente tem que falar e eu prometi para a minha filha que eu não ia deixar cair no esquecimento o que aconteceu com ela e com as amigas, então todo esse movimento que está aqui é uma ajuda para não deixar cair no esquecimento. Tem que ser lembrado, tem que ser falado. As pessoas esquecem muito rápido, tem que ter memória. Os jovens têm o direito de sair e se divertir e voltar com segurança para casa, porque a preocupação com minha filha era na rua, o ir e vir. Para mim ela estava segura ali dentro [da Boate Kiss]. Foi provado o contrário. E nada mudou, infelizmente. Em dez anos não aprenderam com o que aconteceu. Mas a gente segue, a gente está lutando pela filha que ficou e para que nenhum pai e nenhuma mãe passe pelo que a gente passa até hoje”, disse Ligiane.
Após 10 anos, o caso continua sem que ninguém tenha sido responsabilizado. O júri que havia condenado quatro pessoas em 2021 foi anulado por questões processuais. Ainda não há data para novo julgamento.
“É uma vergonha do Judiciário. Pegar firulas, detalhes processuais que não prejudicaram em nada o julgamento”, disse Paulo Carvalho, 72 anos, pai do Rafael Carvalho, outra das vítimas no incêndio na boate.
A psicóloga Ariadna de Andrade disse que há pessoas que criticam as ações que mantém viva a discussão em torno do caso da Boate Kiss.
“Uma coisa muito importante de pensar é que esse pedido de esquecer também tem a ver com o sentimento de impunidade. A gente sempre conversa também que quando acontece um crime como este e isso passa impune, a sensação que fica é de que se a gente não honra os mortos como que cuidamos da vida. Poderia ter sido nós, os nossos parentes. Se a gente não honra os nossos mortos, é como se de que valeu a vida deles ou de que vale a nossa vida se não tem algo que dê segurança e garantia de que a nossa passagem por aqui está segura”, disse Ariadna.
Outras ações continuam nesta sexta para relembrar uma das piores tragédias da história do Brasil, com culto ecumênico e diversos eventos, entre debates e lançamentos de livro e de campanha. As homenagens e atividades vão até dia 28.