Um padre e uma sova documentada

José Henrique Pires licenciado em Estudos Sociais pelo ICH-UFPel, especialista em Políticas Públicas pela Universidade de Salamanca, Espanha, jornalista e radialista. (Foto: Divulgação)

Recém deflagrada a Revolução Farroupilha, um mês depois, em outubro de 1835, um padre famoso em Pelotas por seus discursos e atos violentos contra os Farrapos, foi preso e condenado a uma penalidade significativa: apanhar uma “sumanta de pau” e passar um recibo de quitação, do tipo: “declaro para os devidos fins que recebi…”

Conto melhor essa história, baseada no livro do Dr. Sebastião Leão.

“O padre Pedro Joaquim dos Reis foi preso em Pelotas, à ordem do tenente Felizardo Rodrigues Braga, ajudante de ordens do major Almeida. Recolhido ao acampamento do Fragata, o tenente Braga mandou dar 12 dúzias de bolos no pobre padre, obrigando-o depois a prestar recibo”.

Os “bolos”, como eram denominados, eram dados com palmatórias, espécie de régua grossa de madeira, com uma das pontas maior, redonda como uma atual bolacha de chope, onde estavam vários furinhos, que chupavam a cada palmada (não por acaso – etimologicamente – nas palmas das mãos).

Essa crueldade, amplamente aplicada, era proibida por lei nacional desde 1827.

Mas são comuns os relatos que nos fazem crer que essa lei não pegou, como as palmatórias pegavam nas mãos de alunos que recebiam castigos de professores e de fiéis que eram punidos por padres que os queriam “corrigir”. Depreende-se que o padre Reis era um adepto desse odioso método.

Voltando ao padre, cuja história lembro hoje, após o corretivo aplicado pelos farroupilhas, teve que redigir um documento e assim escreveu:

“Recebi, generosamente, por minha muito livre vontade, 10 dúzias de bolos, ficando saldadas e bem saldadas as asneiras de bolos que dei, porque com usura e bem puxadas chupei.

Pelotas, 30 de outubro de 1835”.

Houve um pequeno erro. Nada que uma pequena correção no recibo deixasse de resolver. Fez-se pequena notinha:

“São doze dúzias e não dez, além de dois laçaços.

Assina padre João Pedro dos Reis”.

Sobre os laçaços, não há detalhamento se foram de relho ou dados com um laço. Sendo com o último, talvez esteja documentada ali uma “tunda de laço”.

Jamais saberemos.

Dizem que o padre João Reis se voltou totalmente aos assuntos da sua religião, tratando de missas, catequeses e casamentos, com manifestações ponderadas e sem os vestígios das exaltações antigas.

Lembrei-me dessa passagem histórica após saber que um padre paulista, de Osasco, com dois colegas também sacerdotes, criaram e divulgaram uma pequena oração, pedindo aos céus um golpe de Estado.

Deveriam saber que golpes dessa natureza trazem consigo desprezo às leis, aos seres humanos e às instituições, dando espaço a torturas, humilhações e mortes. Ao avesso da fé cristã.

Tomara que, doravante, rezem mais Pais Nossos e Aves Marias. E que deixem eventuais rezas golpistas para os padres fakes de festas juninas.

*José Henrique Medeiros Pires é Licenciado em Estudos Sociais pelo ICH UFPel, Especialista em Políticas Públicas pela Universidade de Salamanca, Espanha e jornalista e radialista

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