Um outro cavalo travado

José Henrique Pires licenciado em Estudos Sociais pelo ICH-UFPel, especialista em Políticas Públicas pela Universidade de Salamanca, Espanha, jornalista e radialista. (Foto: Divulgação)

Repercutiu bastante a história do Coronel Albano, contada aqui, que em determinado momento foi surpreendido pela imobilidade de sua montaria, completamente paralisada pela assustadora artilharia farrapa e imperial, na Batalha de São Gonçalo. A barulheira infernal e a gritaria de ambos os lados tiveram um efeito inesperado no pobre animal, que “estaqueou”, para usar um termo mais xucro e adequado para o imobilismo.
Recebi vários comentários, um deles reproduzo a seguir.

Conta o presidente do Instituto João Simões Lopes Neto, Dr. Carlos Francisco Sica Diniz, uma passagem ocorrida com seu pai, Dr. Alcydes, que na juventude de seus 20 anos fez um trajeto a cavalo até as proximidades da ponte do Retiro, em Pelotas. Por ser interessante, reproduzo aqui.

“Tenho pra mim que era por um certo dezembro, dos começos dos anos 30, quando se passou este caso. Meu pai, já próximo dos 20 anos, inventou de ir a cavalo a uma festa de final de ano no Retiro, na casa dos Brauner. Lá, se encontraria com amigos, os Xavier, se não me trai a memória do que ouvi contar na infância. Esses já tinham encilhado as montarias e, àquela altura, a viagem já ia adiantada, deixando para trás os retardatários que não se aprontaram a tempo. Assim, então, que ao pai, como eu o chamava, não restou outra coisa que não fosse percorrer solito, de escoteiro, aquela meia légua. Montava um baio mui lindo, que lhe emprestaram lá no Teodósio, com todos os aperos necessários…
A tarde já ia mermando quando saiu pela estrada. O tiro era curto e o pai chegaria antes do anoitecer; mas não foi bem assim, pois houve atraso no caminho. Parou numa venda pra comprar cigarro e teve conversas e tempo para um matesito. Assim que, de vereda, o sol começou a se esconder. E logo já era noite, escura como breu, porque nuvens grossas se armaram pros lados de Piratini. Nem estrelas se via no alto. Faltava pouco e a jornada seguia firme, ora a trotesito, ora a passo. O flete era de confiança e conhecia o rumo.
Foi então que, num repente, o baio empacou. E não havia espora, nem relho, tentados assim, de leve, que resolvesse. Não se enxergava nada naquela escuridão. O pai resolveu apear. Vinha bem um pito para ordenar as ideias. Encontrou o isqueiro e bateu a pedra, quando, então, aquele breve corisco, aquele átimo de centelha virou um clarão, e o pai viu algo que faiscava, que brilhava, estendido bem na frente das patas do cavalo. Era a lâmina de um facão de respeito atravessada no meio do caminho. O pai levantou aquele largo sabre gaudério, acomodou-o na parte de trás da cinta e o baio, bem faceiro, logo chegou no destino. Foi nessa jornada que o pai tomou tenência de que cavalos daquelas bandas do Teodósio não passam por cima de facão, mesmo na escuridão da noite”.

C.F.Sica Diniz (Novembro, 2024)

Que não nos faltem boas histórias pra contar e ouvir em 2025.

Feliz Ano Novo pra todos nós!

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