Quem bate, esquece. Quem apanha…

José Henrique Pires licenciado em Estudos Sociais pelo ICH-UFPel, especialista em Políticas Públicas pela Universidade de Salamanca, Espanha, jornalista e radialista. (Foto: Divulgação)

A escolta que levaria os presos a Porto Alegre foi formada por quatro homens.
Um graduado farroupilha, mais três voluntários farrapos que fariam o trajeto entre Pelotas e a Capital da Província. Naquela época, não havia estradas, só picadas. Também não havia nenhuma ponte no caminho entre as duas cidades.

A distância, quase 300 km, demandaria mais de 10 dias, se fizesse tempo bom, mantida uma marcha constante e contando com trocas de montarias ao longo do caminho.

Os presos, o coronel Albano e o major Marques de Souza, iam montados em cavalos velhos, sem estribos, com os pulsos presos com tentos e as pernas atadas por baixo das barrigas das montarias. E estas, para que não houvesse chance de alguém tentar fugir a galope, eram puxadas por uma corda que ia na mão de alguém da escolta. Era um excesso de zelo. Os militares montavam os mais acabados matungos.

Mas como todos eram gaúchos, na viagem longa foram conversando, trocando ideias durante o trajeto e nas paradas para refeições e descanso. Quase todos, melhor dizendo, porque o voluntário do tapa-olho não se misturava, não mateava com o grupo e sempre fazia a ronda meio longe das rodas de conversa e de mate.

Albano, apesar da distância, começou a desconfiar que conhecia aquele tipo matreiro de algum lugar. Percebeu que aquele único olho, mesmo de longe, não desviava dele. “De onde conheço esse paisano”, pensava.

Quando passaram pela estância do general Bento Gonçalves, que lá não estava, os moradores identificaram o apreciado coronel Albano, amigo e compadre que combatia pelos Imperiais.

Nem por isso o trataram mal. Abriram as casas, trocaram os cavalos, carnearam uma ovelha e fizeram um assado, de modo que prisioneiros e escolta fossem bem alimentados e pudessem levar carne assada pronta para comer como fiambre na sequência da viagem.
Uma das filhas de Bento, emocionada com aquela situação inesperada, chorou muito ao se despedir de seu padrinho e lhe dá um comovido abraço.

Apenas o cidadão com um olho só percebeu que, disfarçadamente em meio ao pranto, ela entregou um minúsculo pacotinho ao seu dindo. Aquele olho único brilhou!
Depois de muitas léguas e de duas estâncias, a comitiva deixou os prisioneiros amarrados e aos cuidados de dois farroupilhas. Foram a sede mais próxima para trocar os cavalos e tentar algum mantimento.

Quando voltaram, Albano estava morto, sobre o lombo do cavalo, as pernas atadas por baixo, tendo um feio ferimento à bala nas costas.

O sentinela contou que foi na sanga buscar água limpa pro mate e de lá ouviu o barulho de um tiro. Correu de volta e encontrou o Marques de Souza bem atado numa árvore e o cidadão do tapa-olho dizendo que o coronel Albano tentou fugir num momento de descuido, por isso o tiro.

Dizendo-se aborrecido com a situação, o atirador disse que não esperaria a volta dos companheiros. Ia embora. Estava muito aborrecido. Montou seu cavalo e foi.
Muitos anos depois, terminada a guerra, alguém soube do pacotinho entregue sorrateiramente ao coronel Albano pela filha de Bento Gonçalves.

Eram suas economias, do futuro enxoval. Duas moedas de ouro que ela entregou a Albano para, de alguma maneira, ajudar o padrinho em Porto Alegre.

E todos perceberam que, naquele dia, Albano, montado num pangaré, com as pernas atadas por baixo da barriga do cavalo, jamais tentaria uma fuga, impossível num matungo daqueles. Alguém lembrou do bandido que levou um relhaço. Foi vingança, de maneira traiçoeira, perceberam.

Albano fora assassinado com um tiro pelas costas e o bandido ainda carregou um bônus de duas moedas de ouro. Sumiu. Nunca mais se soube dele.

Interessante registrar que o major Marques de Souza, desde o início dessa história, foi um coadjuvante. Entregue preso em Porto Alegre, em pouco tempo conseguiu fugir. Organizou a resistência dos Imperiais na Capital, libertou a cidade dos conquistadores farroupilhas e, por conta disso, entrou para a história como protagonista, recebendo de Dom Pedro II o honroso título de Conde de Porto Alegre, que hoje é nome de rua em diversos locais do Brasil.

O coronel Albano, destemido, intimorato, respeitado, morto em algum lugar perto de Camaquã, sumiu da memória geral, soprado pelo vento, que carrega consigo a poeira dos tempos.

FIM

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