Dona Cissa viveu com a afilhada durante alguns anos. Embora a atenção de quem a acolheu, não foram tempos fáceis: cedo a cuidadora saía de casa para o trabalho e voltava tarde. Inválida, a senhora de mais de 80 anos tinha a opção de passar o dia na cadeira de rodas ou na cama. Sem companhia, apenas com os “bichos no pátio e a televisão ligada”. Não conseguia fazer nada e precisava ficar com a comida à mão. Banho? Nem pensar. Somente na folga da parente no final de semana.
Conseguiram vaga num abrigo, auxiliado por uma rede de cartão de crédito. Tudo mudou. Em boas instalações, bem arrumada, demonstrando estar feliz, comentou que é cuidada todo o tempo; todas as manhãs, as moças lhe dão banho; a cada dia da semana há uma atividade diferente, supervisionada por monitores. E, o melhor, está aprendendo a ler, computação e cavaquinho. Pode até ir aos bailinhos!
Em contraste, os meios de comunicação apresentam imagens da população mais pobre que depende da saúde pública e não tem a mesma sorte. Fotos e vídeos de jornais e televisões mostram, muitas vezes, que podem encontrar idosos em filas de postos de saúde sem ter certeza se vão conseguir uma ficha. Ou no chão de um pronto socorro aguardando vaga apenas por algo elementar: um leito num hospital, alguém que saiba e queira cuidar de quem pode ter perdido tudo, mas não merece perder a dignidade…
Padre Fábio de Mello fala da “inutilidade” do idoso. Diz que ao envelhecer gostaria que alguém o colocasse ao sol… mas que não esquecesse de recolhê-lo. Porque “só ama quem, depois da nossa inutilidade, vai conhecer o nosso significado”. Ao rever o vídeo “a liturgia do Tempo”, lembro da mãe que, ao levá-la para a rua, pedia um chapéu. Num cantinho abrigado do vento passávamos boa parte das manhãs. Ali, muito mais entre silêncios do que de palavras, vivíamos “esta doce inutilidade”!
Dona Cissa é exceção, não é a regra. Em qualquer das situações, há um elemento em comum: o quanto seres “inúteis” precisam ser cuidados em todos os sentidos. Não são apenas os elementos da subsistência – a saúde é um deles – mas de todos os demais, inclusive o carinho. Numa sociedade consumista e egocêntrica, a partilha do tempo que passa é sinal evidente de que se um dia cuidamos, em outro seremos cuidados.
As imagens da dona Cissa, assim como do atendimento de saúde, dão razão ao padre Fábio: “só o amor nos dá condições de cuidar do outro até o fim”. Um doente ou idoso também tem o direito de viver e fazer parte com um sentido especial de nossas existências. Ainda em vida ou mesmo depois da morte é doce reconhecer para alguém com quem se conviveu: “você não serve para nada, mas eu não sei viver sem você!” É o direito mais elementar: o de envelhecer e morrer com dignidade…