Gente e gado xucros

José Henrique Pires licenciado em Estudos Sociais pelo ICH-UFPel, especialista em Políticas Públicas pela Universidade de Salamanca, Espanha, jornalista e radialista. (Foto: Divulgação)

Que os missionários jesuítas foram grandes educadores, arquitetos e agrônomos todos lembram.

Pouco se fala que foram grandes pecuaristas.

Quando chegaram no atual território gaúcho, traziam as primeiras vacas e os primeiros touros que se adaptaram aos campos imensos e se reproduziram largamente, esparramando-se nas antigas estâncias de criação que havia por todo lado. Tempos depois, questões geopolíticas europeias – predomi­nantemente na Península Ibérica – conduziram a expulsão dos missionários, primeiro dos territórios portugueses (por ordem de Dom José I e seu poderoso secretário de Estado, o Marquês de Pombal) e depois nas terras da Espanha, por ordem do Rei Carlos III.

Expulsos os “padres”, o gado que era criado solto esparramou-se e continuou a se reproduzir de maneira selvagem por todo o território.

Naquela época, os pecuaristas da Companhia de Jesus não estavam só no Sul. Expulsos da Ilha do Marajó, por exemplo, lá deixaram 100 mil cabeças de gado! Obviamente, confiscadas pela Coroa Portuguesa.

Mas não só o gado era xucro no Sul.

Os governantes portugueses perceberam que aquele patrimônio que pastava na parte meridional das terras da Coroa corria o risco de ser dizimado, ante o descontrole predatório que estava vigorando. Era preciso salvar o gado daquela gente também xucra.

Assim, em agosto de 1778, foi criada a primeira legislação (creio eu) tratando do gado gaúcho.

Em um ofício de 1º de agosto daquela ano, o governador do Rio de Janeiro recebeu ordens do Marquês de Lavradio com normas específicas: que não se permitisse matar indistintamente bois, vacas e bezerros para se tirar somente o couro; determinou-se a separação dos touros, vacas e terneiros, proibiu-se por um ano a matança de vacas – com sérias penalidades para quem o fizesse – e ainda fazendo uma observação especial a uma prática que parecia estar consagrada: ficava proibida a matança de vacas prenhes para retirar tão somente o terneiro, iguaria apreciadíssima naquela culinária campeira e bárbara.

Desconfio que ao serem tornadas públicas essas novas determinações, o assunto chegou ao conhecimento do português José Pinto Martins, que já salgava carne industrialmente em Aracati, naquele Ceará castigado pela seca de 1777. Alertado que no Sul havia um subproduto do couro que não era aproveitado – a carne – mudou para Rio Grande e depois para a região onde hoje é Pelotas e iniciou o que viria a ser conhecido como o ciclo do Charque Gaúcho, que colocou o RS no mapa econômico brasileiro daqueles tempos. Este mês, lá se vão 346 anos!

*José Henrique Medeiros Pires é Licenciado em Estudos Sociais pelo ICH UFPel, Especialista em Políticas Públicas pela Universidade de Salamanca, Espanha e jornalista e radialista

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