Até quando aceitar tudo por amor?

Otávio Avendano é Psicanalista, hipnoterapeuta, neurocientista do comportamento humano e especialista em fisiologia hormonal. (Foto: Arquivo Pessoal)

No turbilhão da vida moderna, somos constantemente desafiados a conciliar múltiplos papéis, expectativas e demandas. Em meio a essa complexidade, muitas vezes nos vemos diante do dilema de até quando devemos aceitar tudo em nome do amor. A questão ganha contornos ainda mais profundos quando analisada sob a perspectiva da psicanálise, que lança luz sobre as intricadas dinâmicas emocionais que permeiam nossas relações e escolhas.

A psicanálise, desenvolvida por Sigmund Freud e posteriormente ampliada por diversos teóricos, como Carl Jung e Melanie Klein, nos convida a adentrar nas camadas mais profundas do nosso psiquismo, desvendando motivações inconscientes e padrões de comportamento que muitas vezes fogem à nossa percepção consciente. Nesse contexto, a ideia de aceitar tudo por amor revela-se como um terreno fértil para a análise e reflexão.

O amor, sentimento complexo e multifacetado, pode nos impelir a ultrapassar nossos próprios limites em prol do outro. No entanto, quando essa entrega se torna unilateral e desmedida, corremos o risco de nos perdermos de nós mesmos, sacrificando nossas necessidades e identi­dade em nome de uma idealização romântica ou afetiva. A psicanálise alerta para os perigos desse tipo de renúncia excessiva, que pode resultar em ressentimento, frustração e até mesmo em distúrbios psicológicos.

Aceitar tudo por amor pode ser reflexo de questões mais profundas enraizadas em nosso inconsciente. Traumas não resolvidos, carências afetivas antigas e padrões relacionais disfuncionais podem alimentar essa busca incessante por aprovação e conexão a qualquer custo. Nesse sentido, a psicanálise propõe um mergulho interior rumo ao autoconhe­cimento e à autocompreensão, visando resgatar a própria identidade e estabelecer relações saudáveis pautadas no equilíbrio e na reciprocidade.

Estabelecer limites saudáveis no campo afetivo não significa abrir mão do amor, mas sim cultivá-lo de forma consciente e madura. Amar verdadeiramente inclui o respeito às próprias necessidades, a capacidade de expressar nossos sentimentos e desejos sem culpa ou medo de rejeição. A construção de relações afetivas sólidas e genuínas requer autenticidade, diálogo aberto e uma dose saudável de autonomia emocional.

Em última instância, o questionamento sobre até quando aceitar tudo por amor nos convida a refletir sobre o verdadeiro significado do amor próprio. Amar a si mesmo implica em reconhecer nosso próprio valor, estabelecer fronteiras claras em nossas relações interpessoais e buscar o equilíbrio entre dar e receber. Somente quando nos amamos verdadeiramente podemos amar o outro de forma plena e saudável.

Portanto, que possamos trilhar o caminho do amor com consciência, autenticidade e respeito mútuo. Que saibamos honrar nossos sentimentos mais profundos sem nos perdermos no labirinto das expectativas alheias. Que possamos encontrar no equilíbrio entre o dar e o receber a essência mesma do amor verdadeiro – aquele que nutre, fortalece e enriquece tanto quem dá quanto quem recebe.

*Otávio Avendano é psicanalista, hipnoterapeuta, neurocientista do comportamento humano e especialista em fisiologia hormonal

WhatsApp: (53) 99162-7411

Instagram: @otavioavendano

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