Pelotas: Hospital Escola da UFPel recorre a medidas de emergência por falta de anestesistas

HE da UPFel reabriu processo seletivo para contratação de anestesistas. (Foto: Stéfane Costa/JTR)

A falta de anestesistas e paralisação de algumas atividades têm alterado o funcionamento do Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas (HE UFPel), vinculado à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), nos últimos meses.

Na manhã da última sexta-feira (17), a instituição divulgou uma nota comunicando a transferência do pronto-atendimento obstétrico para outro prestador.

Segundo o HE, a medida foi tratada com a Secretaria Municipal de Saúde e os demais hospitais de Pelotas. A mudança, no entanto, não afetaria a disponibilidade de leitos obstétricos, partos realizados e atendimentos ambulatoriais do pré-natal. O hospital garante que a UTI neonatal também não sofrerá alteração.

O anúncio esclarece que o problema tem origem na insuficiência de médicos anestesistas. Atualmente, o quadro de especialistas na área é de oito médicos, sendo que um está em afastamento prolongado “e este quantitativo permite o funcionamento de somente uma das três salas cirúrgicas do HE”, detalha.

A sala atendida em questão concentrava atendimentos obstétricos e pacientes internados, porém a lista de procedimentos oncológicos vinha preocupando a instituição. “[…] os cerca de 100 pacientes em aguardo por cirurgia oncológica que são amparados pela Lei nº 12.732/2012, que determina que o paciente portador de neoplasia maligna necessita realizar o acesso ao tratamento, por muitas vezes cirúrgico, em até 60 dias”.

Por fim, o hospital apontou que a situação é emergencial e pode ser modificada. “Destaca-se que este é um movimento de caráter emergencial, que poderá ser reavaliado posteriormente, após a normalização do quadro de anestesistas”.

A transferência do pronto-atendimento ainda não foi realizada, sendo uma medida que está na fase de tratativas com o município e instituições da área.

Em entrevista ao JTR, a superintendente do HE, Carolina Ziebell, explica que a questão não se relaciona apenas com o hospital, mas que tem ligação direta com a área acadêmica. “Haviam apontamentos também com a parte de docência, que estava deficitada. A primeira residência que foi fechada foi a anestesiologia. Ela tinha um docente, que fazia toda a formação teórica dos residentes. Esse docente, na pandemia, se afastou porque já tinha mais idade e não retornou porque se adoentou”. Ela conta que, com o anúncio da aposentadoria do professor, os residentes ficaram sem orientação para a parte prática, iniciando o problema da área no HE.

Com o afastamento de outra profissional, o HE passou a contar com apenas sete anestesistas, número abaixo do necessário para suprir a necessidade das salas cirúrgicas.

Paralisação

Em resposta ao pronunciamento da instituição, médicos do programa de residência médica em Pediatria do HE UFPel emitiram nota no sábado (18) comunicando a paralisação de suas atividades em solidariedade aos residentes de Ginecologia e Obstetrícia.

O comunicado foi voltado aos gestores da instituição, poder público e demais órgãos envolvidos e corresponde ao anúncio feito pelo hospital na sexta-feira (17), data em que o HE comunicou a transferência do pronto-atendimento obstétrico para outro prestador.

Conforme o texto, os residentes da pediatria apontam que a medida pode ser prejudicial para o programa médico. “Tais circunstâncias impactam diretamente na formação dos médicos residentes em pediatria e ginecologia e obstetrícia, pois como já elucidado em comunicados anteriores publicados por alunos de outras PRM (Programas de Residência Médica), a Residência Médica é o curso de pós-graduação que o médico formado realiza atividades com objetivo de adquirir uma especialidade específica, e assim como é fundamental ao residente de Ginecologia e Obstetrícia que em seu programa exista atendimento à gestantes de Alto Risco e de atendimento de consultas em Pronto Atendimento”, comentam.

O posicionamento informa que a paralisação teria início a partir da data de divulgação. “Tendo em vista a obtenção de melhorias, transparência e diálogo por parte da gestão hospitalar, e em solidariedade aos residentes do PRM em Ginecologia e Obstetrícia, comunicamos que iniciaremos paralisação a partir do momento de publicação desta carta”, escrevem.

Quanto às possíveis paralisações informadas pelos alunos, a superintendente garante que a questão está em diálogo, sendo importante ressaltar que os residentes não são os únicos responsáveis pelos atendimentos e que estes não devem parar pois a instituição conta com médicos que instruem os alunos.

Rafael Amaral (Progressistas) fala sobre situação

O vereador Rafael Amaral (Progressistas) esteve, no início do mês, em reunião realizada em Brasília com o presidente da EBSERH, Oswaldo Ferreira, tratando sobre as demandas do hospital.

Hoje, Amaral cita que a questão da saúde no município é um problema que perdura há anos e reflete um cenário geral no município. “Pelotas não é uma cidade que cuida das pessoas, pode ser muitas coisas, mas não é uma cidade que cuida das pessoas. Porque quando tu vê as pessoas morrendo à espera de uma cirurgia, morrendo em uma fila de UPS (Unidade de Pronto-Socorro), e isso acontece, mostra que não é uma cidade que cuida das pessoas”, pontua.

Como alternativa para enfrentar a crise na área da saúde em Pelotas, o vereador defende uma série de medidas e mudanças. “Eu falo em regionalização da saúde, que é uma pauta que se fala a nível nacional há décadas, eu falo em Pelotas sobre isso e ninguém dá bola. Nós temos Unidades Básicas de Saúde que não têm médicos. O que que tu faz então? Em um momento de crise tu regionaliza o atendimento e dá atendimento específico pras pessoas, isso não aconteceu. Eu falo em telemedicina, que nós estamos usando em vários lugares do Brasil e isso também não aconteceu”, elenca.

Vereador Rafael Amaral (Progressistas) comenta questão do HE em visita ao JTR. (Foto: Stéfane Costa/JTR)

Quanto aos problemas que o HE vem enfrentando com a contratação de anestesistas, Amaral aponta a perda da residência na especialidade no HE. “Nós tínhamos a residência em anestesistas, nós formamos anestesistas para o Brasil inteiro, nós perdemos. Nós perdemos uma referência que a UFPel era reconhecida no Brasil inteiro por formação de cirurgiões, nós perdemos”, fala.

Fazendo referência à reunião da qual participou no Distrito Federal, o parlamentar ressalta a importância econômica, além da atuação na saúde, que a instituição possui. “Só de investimentos do Governo Federal no hospital escola em Pelotas são R$ 200 milhões por ano. Só de investimentos do Governo Federal que entram na receita de Pelotas. Os hospitais são, hoje em Pelotas, o que mais gera emprego no município. Nós estamos formando médicos, formando técnicos de enfermagem, enfermeiros, mas também estamos perdendo a capacidade de contratar pessoas, as pessoas que estão se formando não estão achando emprego”, aponta.

Por fim, o vereador reforça a necessidade de maior envolvimento do Poder Público na questão. “Eu reconheço aqui que a direção do Hospital Escola tem lutado com todas as forças, mas é preciso compartilhar responsabilidades, e a prefeitura municipal tem que entender que isso é um caráter de emergência, que ela tem que tomar frente também”, diz.

Segundo a Prefeitura de Pelotas, a secretária de Saúde, Roberta Paganini, informou que a pasta vem acompanhando a situação do HE junto à direção da instituição e demais hospitais, participando também das articulações necessárias para que a rede siga em funcionamento.

Medidas do HE

Visando restabelecer o fluxo de procedimentos que requerem o envolvimento de anestesistas, a instituição reabriu o processo seletivo para contratação dos profissionais. Recentemente, o HE conseguiu retornar os procedimentos eletivos, que estavam suspensos desde o fim do ano passado, por meio da contratação de empresa por dispensa de licitação. A contratada, no entanto, realiza um número limitado de procedimentos nas sextas-feiras e sábados.

O novo processo, novamente aberto em razão da falta de interesse de candidatos no primeiro prazo, visa a contratação de profissionais por demanda de serviço, ou seja, o HE os acionaria para procedimentos conforme necessidade.

As medidas recentes tomadas pelo hospital escola são de caráter emergencial, estando fora do procedimento atual de uma instituição pública. “Nós já estamos trabalhando na exceção. Nós fizemos processo licitatório e fizemos uma dispensa de licitação e um chamamento público, que são emergenciais”, detalha.

A abertura do processo estava pronta desde o ano passado, porém não pode ser oficializada em razão das restrições legais impostas à instituição pelo período eleitoral.
Carolina reforça que o valor que está sendo considerado no processo licitatório utiliza a média de outras instituições de saúde. “O preço que nós trabalhamos nessa contratação pela licitação, ele é um preço bastante razoável. A gente utilizou, por exemplo, um dos contratos que foi base, é o contrato de anestesiologia da USP (Universidade de São Paulo), então não é um valor fora”, pontua. De acordo com ela, o hospital está procurando soluções que vão além do ideal. “Essa dispensa e esse chamamento público foram lançados com um preço que é quase duas vezes (maior que) aquele preço médio […] nós estamos nos nossos limites legais inclusive”, aponta.

O processo para contratação de anestesistas busca o preenchimento de cinco vagas. As inscrições estão abertas até o dia 7 de março, no site do HE.

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