História da Doçaria Anette Ruas começou de porta em porta

Anette Ruas iniciou a venda dos doces de porta em porta no Centro de Pelotas, como forma de sustentar a família. (Foto: Arquivo)

Foi batendo de porta em porta, oferecendo doces tradicionais manufaturados a partir das receitas de uma tia confeiteira, que a doceira Anette Ruas deu início a uma produção que hoje leva o doce de Pelotas até o competitivo mercado de São Paulo, capital financeira do país e da América Latina. E não só a São Paulo – o que não é pouco. Atualmente, a marca Anette Ruas Doces Tradicionais está presente em dezenas de estabelecimentos, entre confeitarias, padarias, cafeterias, lojas de conveniência e supermercados da Zona Sul, de Porto Alegre, Vale do Taquari, Serra, Litoral Norte, em cidades de Santa Catarina e em Curitiba, capital do Paraná. Vai longe.

Tudo começou em 1999. Na época, a principal fonte de renda da família, radicada há quatro gerações em uma área de três hectares no Passo do Salso, zona Oeste de Pelotas, era salga de couro para fornecer aos curtumes da região. Com a crise que atingiu o setor em cheio na última década do século 20, o núcleo familiar se viu em um impasse – que felizmente não durou muito. Decidida, Anette Ruas, “comprou a briga”, como conta o genro Willian Bettanzos, hoje gerente comercial da empresa. Recorreu à cultura doceira familiar que à época carecia de sucessão.

Com o auxílio do genro Willian Bettanzos, à esquerda, da filha Cristiane Ruas, e do esposo João Renovato Tajes (Renato), Anette Ruas conseguiu expandir o negócio, levando a cultura da tradição doceira para além da Zona Sul do estado. (Foto: Adilson Cruz/JTR)

Os herdeiros naturais da tia Nilza, confeiteira reconhecida, já ganhavam a vida com outras ocupações e, por isso, não poderiam dar continuidade ao legado. Movida por necessidade e não por hobby, Anette, então dona de casa, procurou a tia e pediu para assumir a tradição. Prontamente. De posse das inúmeras receitas da doçaria pelotense, começava ali a história bem-sucedida do empreendimento que hoje gera pelo menos 30 empregos diretos.

O início não foi fácil, como quase nunca é. A filha, Cristiane, relembra. Anette fazia os doces na cozinha da casa. Punha as unidades em caixinhas de papelão e com elas se dirigia à parada de ônibus mais próxima. Destino: centro de Pelotas, para oferecer os doces de casa em casa. Deu certo. Nesse contexto, o esposo, João Renovato Tajes, “seu Renato”, como é chamado, tentou insistir mais uma vez com o negócio de couro e peles. Ele e a filha abriram uma pequena loja na rua Senador Mendonça, quase esquina General Osório. Ótimo ponto. Porém, o futuro da família não estava ali. Mas no movimento de Anette Ruas vendendo doces pela cidade.

“A mãe chegava na loja e perguntava: ‘vendeu alguma coisa?’”, conta Cristiane. Era frustrante. A clientela entrava, olhava e em geral perguntava sobre algum produto ou a cor de algum item que não havia. “Estava fraco, então ela puxava o dinheiro da bolsa e dizia: ‘vendi tudo’”, lembra. Não foram necessários mais que dois meses para pai e filha fecharem a loja e se unirem em torno do negócio iniciado por Anette.

No ano seguinte, 2000, começou a produção em uma escala crescente na cozinha da casa da tia Emma, na área de três hectares onde moram os Ruas. O espaço ficou pequeno. Foi requisitada a sala. Até que Emma, irmã de Nilza, ambas já falecidas, foi convidada a morar na casa da sobrinha, distante poucos metros da sua. Hoje, todas as dependências da antiga casa de Emma Ruas são ocupadas pela fábrica de doces, incluindo a administração.

Só a cozinha e a sala não comportariam as três dezenas de funcionários necessários para dar conta da demanda que tem início às 8h de segunda a sexta-feira e em tempos de Fenadoce, e também de Expointer, só tem hora para começar.

Hoje, a filha Cristiane contribui com o empreendimento, que já ganhou mercados no estado e no país. (Foto: Adilson Cruz/JTR)

Para além de Pelotas
Consolidada no mercado local como principal fornecedora de doces tradicionais para revenda e também para festas e eventos, além da venda direta na fábrica, a Anette Ruas Doces Tradicionais precisava ampliar mercados.

Foi o que aconteceu em 2016. Logo após a Fenadoce daquele ano, a família decidiu assumir o ponto que havia na Expointer, a maior feira agropecuária da América Latina. Até então a fábrica só fornecia o doce para terceiros fazerem a venda direta no evento. A decisão de gerir o próprio negócio no Parque de Exposições Assis Brasil, em Esteio, Região Metropolitana, se mostrou correta. “Deixou-se de vender o doce Anette Ruas para vender o nosso doce Anette Ruas”, enfatiza Bettanzos. Ele explica: “Vender o próprio produto e a própria história para um público que para nós ainda era desconhecido foi sensacional”.

Tamanho retorno pode ser medido em números. Bettanzos e Cristiane subiram a BR 116 com destino à Expointer com a perspectiva de vender 11 mil unidades. Comercializaram 27 mil em nove dias. “Vimos que dava certo”, confirma Cristiane. “Apanhamos bastante nas duas primeiras vezes, principalmente com logística e mão de obra, várias vezes tivemos que deixar o Parque [de Exposições] e ir a Camaquã buscar encomendas, mas a partir de 2018 nos estruturamos e dominamos a dinâmica”, emenda Bettanzos.

A participação na Expointer abriu as portas do rentável mercado de feiras para os Ruas. Hoje estão presentes na Festa da Uva, em Caxias do Sul – Serra Gaúcha, na Fenasoja, em Santa Rosa – Alto Uruguai, Femaçã, em Veranópolis – também na Serra Gaúcha, Fenamilho, em Santo Ângelo, e Expoijuí – ambas na região das Missões, Noroeste do estado.

Demanda pelos doces tradicionais aumenta em período de feiras como a Fenadoce, em produção realizada no Passo do Salso, em Pelotas. (Foto: Adilson Cruz/JTR)

O próximo desafio é a Expotchê, em Brasília, realizada em duas edições anuais. A primeira em junho, paralela à Fenadoce; a segunda em dezembro. É justamente nesta, do fim do ano, que a doçaria pretende estar presente. O tradicional doce de Pelotas é iguaria ausente desta que se intitula a maior feira de produtos do Sul do Brasil.

“Feira é um mercado que não abrimos mão”, determina o gerente comercial da empresa. Por isso a Expotchê segue na mira, apesar das dificuldades que se apresentam. Dentre elas, para além de uma das edições coincidir com a Fenadoce, a recusa da empresa em trabalhar com câmara fria, seja na venda direta como na revenda.

“Nosso negócio é doce fresco, temos uma marca a zelar”, justifica ele. “Nosso maior desafio [para estar na Expotchê] é estruturar a logística para oferecer um produto de qualidade, nossa ideia é ir na edição de dezembro nem que seja para mapear o ambiente”, projeta.
Além de faturamento, a presença em feira e eventos ampliou a visibilidade do empreendimento e do doce tradicional de Pelotas. Coincidência ou não, no ano seguinte à primeira participação na Expointer, os produtos manufaturados na unidade localizada no Passo do Salso também ganharam supermercados.

O primeiro a aderir foi a rede Guanabara, a partir de 2017. Daí em diante outras empresas do setor passaram a se interessar. Atualmente a Anette Ruas, Doces Tradicionais está presente nas 22 lojas da rede Imec, de Lajeado (Vale do Taquari). Também está em negociações para atender uma rede de supermercados com matriz em Cachoeirinha e filiais espalhadas por toda a Região Metropolitana, incluindo a capital Porto Alegre, e Litoral Norte, e uma rede de postos, com unidades no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. No atrativo mercado da Serra Gaúcha, a reinserção da marca – afetada pela pandemia – está em negociação.

A expansão obrigou a doçaria a investir em logística – hoje dispõe de três caminhonetes (dois furgões) e um caminhão – e ampliar o leque de produtos. Atualmente trabalha também com monoporções, como pudins, tortas de bolacha, brownies, petit gateau, bolos de caneca, entre outras iguarias, que se somam a mais de 60 tipos de doces. Reinventar é preciso. No entanto, com a memória da tia Nilza sempre viva na marca. “No nosso logo consta: ‘Tradição e qualidade Nilza Ruas desde 1955’, ano em que ela começou a trabalhar como confeiteira”, diz Cristiane.

Fenadoce
A 29ª Fenadoce também será a 29ª da família. Os Ruas, representados pela matriarca da tradição doceira do núcleo familiar, estão no evento desde a primeira edição, no verão de 1986, na praia do Laranjal. “Não fosse a Fenadoce não faríamos outras feiras, não teria o ponto de partida, não teria qualificação, não teria Sebrae, Iphan [Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que conferiu em 2018 ao doce de Pelotas o selo de patrimônio imaterial do País], não teríamos uma vitrine voltada para o doce – a Fenadoce é a base, um marco”, reconhece Cristiane. Ela espera que esta edição seja ainda melhor que a do ano passado, quando ainda sentia os efeitos da retomada das atividades paralisadas pela crise sanitária.

Endereços 

A Anette Ruas, Doces Tradicionais está localizada na avenida Cidade de Lisboa, 1.768, a 800 metros da BR 116, onde também faz venda direta ao consumidor. As encomendas podem ser feitas pelo telefone (53) 3281-6554, pelo site (www.anetteruas.com.br), e-mail ([email protected]) e WhatsApp (53) 98469-7660. Mais informações podem ser conferidas via redes sociais, no Facebook e Instagram com @anetteruasdoceria

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