
Carlos Adriel Rodrigues Valadão tem 31 anos, nasceu em Morro Redondo e é portador de deficiência visual. Valadão tem visão reduzida desde o nascimento e atua hoje como assistente administrativo na Unidade de Desenvolvimento de Pessoas (UDP) do Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas (HE-UFPel), que integra a Rede da Empresa de Serviços Hospitalares (Ebserh). “Eu sempre fui incentivado, desde pequeno, pela minha mãe, pela minha irmã, a levar uma vida normal, a buscar uma profissão, a lutar para viver bem”, contou.
Os desafios para a sua inclusão são parte de sua luta diária. “Desde a época da escola, os primeiros dias foram complicados. Os professores nunca tinham recebido alunos com deficiência, não queriam me aceitar. Queriam me encaminhar para uma escola especial, mas fizeram uma análise biopsicossocial e atestaram que eu poderia estudar numa escola regular”.
Enquanto buscava tratamentos e orientações sobre sua deficiência, mas já cursando a escola, o assistente administrativo relembra. “Uma professora pediu pra gente escrever dois sonhos. Eu queria aprender informática ou ser motorista de ônibus. Mas nessa época, 2009, eu recebi um parecer médico [sobre a deficiência visual] de que não tinha cura. A professora leu meu trabalho e disse que conseguia um desses sonhos para mim. Ela me inscreveu num curso de informática [para pessoas com deficiência visual] em Pelotas. Aí toda terça e quarta-feira, durante quase um ano, eu vinha para Pelotas, fizesse chuva ou frio. E minha mãe sempre me acompanhando”.
Em 2017, Valadão fez o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e ingressou na UFPel no ano seguinte, pelo Sistema de Seleção Unificado (Sisu), no curso de Tecnologia em Processos Gerenciais. Uma das grandes dificuldades para cursar o Ensino Superior era o transporte entre a cidade natal e Pelotas, uma distância de cerca de 50 quilômetros. Sua mãe lutou e pressionou muito uma associação e a Prefeitura de Morro Redondo, que providenciavam um serviço de transporte para estudantes, para garantir que o ônibus atendesse as necessidades de Valadão. “Um dia, minha mãe foram à Câmara dos Vereadores [de Morro Redondo] para ter respostas sobre o ônibus. Reconheceram o Uno da mãe chegando e se esconderam [risos], mas ela achou um por um para conseguir alguma resposta”, lembrou. No final, porém, pouco foi feito. “Deus vai me proteger nesse caminho”, disse Valadão, ao decidir encarar o desafio. Depois de experimentar o trajeto e conversar atentamente com os motoristas de cada ônibus, tudo deu certo. “Eu sou quase um busólogo, chego bem pertinho para identificar os ônibus, converso com os motoristas, com as pessoas que frequentam o ônibus”, contou ele sobre sua estratégia para não se perder.
Depois de formado, o assistente administrativo teve de se virar. “Trabalhei dois anos num frigorífico de aves, trabalhei na agricultura, vendia hortaliças… colocava tudo organizadinho em uma caixa e colocava no bagageiro de uma bicicleta Monark de aro circular, toda enferrujadinha, para sair e vender em Morro Redondo. Ela ainda está na casa da mãe”, lembrou.
Trajetória na Ebserh: recepção, mudanças, desafios e conquistas
Valadão prestou o concurso em 2020 e foi chamado para trabalhar no HE-UFPel em 2021. Ele se lembra com alegria. “A portaria de convocação saiu no dia do meu aniversário, e ingressei dia 1º de junho de 2021. Fui muito bem recebido já na Divisão de Gestão de Pessoas. Hoje, trabalhando na UDP, o assistente administrativo tem contato com grande parte dos colaboradores do hospital. “Eu preciso atender gente da assistência, do administrativo, de diversos setores. Tenho que resolver problemas de capacitação, suporte de acesso à Escola Coorporativa da Ebserh, passar informações, orientações, etc. A convivência com os colegas é muito, muito boa”.
Sua chefia sempre procurou melhorias, garantir acessibilidade e inclusão no ambiente de trabalho. Como o assistente administrativo tem visão reduzida, a maior adaptação necessária para trabalhar foi a instalação de um braço articulado para o monitor de seu computador. “Eu tinha que aproximar o rosto até a tela para poder enxergar. Esse movimento poderia prejudicar a coluna. Então, para eu poder ficar com a coluna reta, providenciaram esse braço articulado que traz o monitor até o meu rosto, fazendo com que eu possa ficar com a posição correta na cadeira”, explicou.
Viagens e novas experiências
Valadão conta: “De infância, eu queria ser motorista. Mas não deu certo, né? Depois vi que Deus tinha outros propósitos para mim. Nunca desisti, nunca deixei a peteca cair e hoje sou feliz”, disse. Hoje, um dos hobbies do assistente administrativo são as viagens, principalmente de ônibus. “Mesmo não podendo ser motorista, eu tenho um contato bem próximo tanto de ônibus como de caminhão. Esse contato, essa experiência de viajar, de conhecer lugares, eu tenho de outra forma: viajando, conversando com vários motoristas, conhecendo os ônibus, os mecanismos de cada ônibus, cada caminhão… Isso vai alimentando meu hobby com esse conhecimento, com essas experiências”, relatou.
Uma das aventuras mais marcantes foi para o Santuário de Nossa Senhora Aparecida, em Aparecida, São Paulo. Católico, Valadão desejava há tempos fazer a viagem. “Desde a vida acadêmica eu já pensava em arrumar um jeito de ir lá agradecer depois de me formar. Já em 2023, fui para agradecer por três graças. A faculdade, a conquista do trabalho como concursado e a compra da casa própria. Foram três sonhos realizados, três conquistas, e fui lá agradecer. Eu procuro sempre viajar com grupos de viagem. No começo da viagem [para Aparecida], me apresentei, falei da minha deficiência, lembrando que não teria problema para o deslocamento. Foi uma experiência muito boa, fiz amizades e, já na metade da peregrinação, conheci todo o pessoal do ônibus”.
Valadão escreveu um e-book intitulado “Minha história de vida. Fé, perseverança e superação”, em que conta sua vida e suas batalhas. E ali ele conclui: “Não desista de viver. A batalha é amarga, mas a vitória tem sabor de mel”.