
Nos últimos anos, a presença de líderes religiosos na política brasileira tem se tornado cada vez mais significativa. Seja no Congresso Nacional, nas Assembleias Legislativas ou nas Câmaras Municipais, pastores, padres e outros representantes religiosos têm ocupado cargos de poder e influenciado decisões que afetam a sociedade. Essa realidade levanta discussões sobre o equilíbrio entre fé e gestão pública, além dos limites entre atuação política e a manutenção do Estado laico.
Em Canguçu, um exemplo dessa tendência é o vereador Ritiéli Sampaio (Republicanos), também pastor da Igreja Assembleia de Deus de Canguçu. Em entrevista exclusiva ao Jornal Tradição Regional, ele afirmou que sua atuação política é orientada por princípios cristãos, mas com compromisso em governar para toda a população.
“Nada impede que um grande pastor seja também um grande político, desde que haja sabedoria, discernimento e conhecimento de causa. Podemos contribuir para uma sociedade que tanto sofre e que tem sido descaracterizada de seus princípios”, argumenta o vereador.
Sampaio conta que seu interesse pela política surgiu há cerca de dois anos, quando seu pastor o incentivou a se engajar, reconhecendo nele um chamado para representar não apenas os evangélicos, mas toda a população, já que sempre teve bom acesso às diversas classes e etnias. Em seguida, ele começou a pesquisar sobre partidos políticos, filiando-se ao Republicanos, partido que considera mais alinhado com suas ideias.
Ele destaca que, desde que se tornou vereador, suas responsabilidades aumentaram significativamente. “Como pastor, nós servimos o corpo de Deus e a sociedade, nós servimos a igreja e servimos a nossa sociedade, e agora como vereador essa responsabilidade aumentou muito mais, porque nos tornamos uma autoridade pública dentro do nosso município, e unindo as duas posições, nós somos servos, antes eu era servo da igreja, agora eu sou servo também do povo, para trabalhar para o povo, para me dedicar a nossa sociedade”, explica.
Sampaio ressalta que sua representação política vai além da religiosa, abrangendo todas as classes sociais, independentemente da religião. Ele afirma que, inclusive, alguns de seus eleitores não compartilham sua fé, mas se sentem representados pelo seu trabalho. Para ele, a fé não é um obstáculo à gestão pública, mas sim um fator positivo. “Conciliar é muito tranquilo, porque uma posição não invalida a outra. Quando unimos os princípios da política e da religião, conseguimos trabalhar juntos e gerar transformação”, defende.
A presença da religião na política
A presença de líderes religiosos na política brasileira não é recente. O país, de maioria cristã, possui uma forte tradição de influência religiosa na formação política e social. De acordo com uma pesquisa do Nexo Políticas Públicas e do Instituto de Estudos da Religião (ISER), 77,78% dos deputados eleitos em 2023, na Câmara Federal, declararam sua confissão religiosa. A maioria, com mais de 40% de representantes, é católica.
Em um artigo recente publicado pela Mar Asset Management, foi abordada a influência da religião na política, destacando que 10% dos católicos e mais de 20% dos evangélicos consideram as orientações de seus líderes religiosos ao escolher candidatos.
Para Sampaio, “A fé pode fazer toda a diferença no cenário que nós estamos vivendo, seja político do nosso país, do nosso mundo, do nosso estado e da nossa sociedade”. Ele acredita que a fé traz princípios e valores morais que, quando aplicados na política, podem contribuir para um trabalho mais honesto e amplo, especialmente em tempos em que a política enfrenta grande descredibilidade.
Desafios de ser líder religioso na política
Em relação aos desafios, o vereador e pastor relata acreditar que o maior desafio seja manter quem é uma vez que no mundo de hoje são muitos os meios e oportunidades que surgem com intuito de mudar o ser humano. Além disso, Sampaio citou a não aceitação por parte de alguns representantes e até mesmo de alguma parcela da comunidade. “O segundo desafio é a própria aceitação do seu povo, por muitas vezes acreditar que a política e a religião e o próprio povo externo acreditar que as duas não podem se misturar”, ressalta.
O Estado Laico
A questão do Estado laico tem sido frequentemente levantada quando líderes religiosos entram na política. Muitos acreditam que essa participação pode comprometer a imparcialidade das decisões públicas. No entanto, o vereador defende que a presença de representantes religiosos não fere o princípio do Estado laico. “O meio público abre portas e ele é uma democracia, onde todas as pessoas representantes do povo elas podem ter o seu espaço e são votadas através e colocadas na cadeira que ocupam através de um voto popular […] de maneira alguma ele vai ferir o estado laico, porque quando chegamos a uma posição pública, nós não estamos ali para fazer o que a gente quer, mas a gente está ali para representar aqueles que confiaram em nós”, argumenta.
O futuro da relação entre religião e política
O debate sobre a presença de líderes religiosos na política provavelmente continuará nos próximos anos, especialmente com o crescimento das bancadas religiosas e a ascensão de figuras ligadas a igrejas em cargos de destaque.
Sampaio acredita que é necessário unir política e religião, pois a combinação dos valores de ambas pode resultar em um trabalho mais efetivo e representativo para a sociedade. “Nós precisamos unir as duas coisas, porque quando pega os valores de uma, e pega os conceitos da outra, nós unificando as duas coisas, nós conseguimos representar muito bem, e nada vai interferir em ser um grande pastor, um grande líder religioso, e ser um grande político, com muita sabedoria, com muito discernimento, com muito conhecimento de causa”, conclui.
“Equilibrar fé com a gestão pública é muito tranquilo, porque a gestão pública está trabalhando para trazer melhorias para todas as áreas”, finaliza Sampaio, em conversa com a reportagem.