Por Daniel Batista e Diones Forlan
O excesso de chuvas e a queda de granizo na região já provocaram R$ 98,1 milhões em prejuízos em 12 municípios da Zona Sul. Os dados são do Escritório Regional da Emater/RS-Ascar e ainda não contabilizam perdas em toda a região, que estão sendo apuradas. Os eventos adversos também promoveram estragos em outras áreas, deixando desabrigados, desalojados e motivaram decretos de situação de emergência.
Até o momento, o maior prejuízo foi registrado em Pelotas, com R$ 40,3 milhões na agricultura e pecuária. Na quarta-feira (27), a prefeita Paula Mascarenhas (PSDB) decretou situação de emergência no município, que também possui R$ 32,9 milhões em danos nas vias não pavimentadas e R$ 18 milhões em degradação de estradas rurais, pontes e degradação de vias pavimentadas. No total, portanto, são 91,2 milhões de prejuízos.
Moradores de regiões próximas à Lagoa dos Patos viveram momentos de tensão com o avanço das águas no início da semana, provocado pela incidência de vento na direção Sul. No dia seguinte, o nível já havia recuado. O município possui 155 pessoas de 47 famílias em quatro abrigos da Prefeitura, na Colônia Z3. Equipes atuam na distribuição de cestas básicas, medicamentos e fraldas.
Na zona rural, a Defesa Civil distribuiu dez rolos de lona para moradores das localidades da Cascata, Santa Silvana, Quilombo e Rincão da Cruz. Outro ponto positivo foi que o nível atual do canal São Gonçalo recuou 33 centímetros entre segunda e quarta-feira (27), quando estava em 2,13 metros.
Em Morro Redondo, o prefeito Rui Brizolara (União) decretou situação de emergência na quinta-feira (28). No município, os prejuízos totais somam R$ 11,7 milhões, sendo R$ 10,4 milhões na agropecuária. A persicultura foi a mais atingida, com R$ 10 milhões em prejuízos.
O granizo causou a queda de frutas e lesões nas que permaneceram nas árvores. A expectativa inicial de 9 mil toneladas de frutas está comprometida em pelo menos 5 mil, sendo que dessa perda 2 mil foram decorrentes diretamente do granizo.

O chefe do escritório municipal Evaldo Voss, projeta que o prejuízo nessa cultura pode acarretar em desemprego e queda de arrecadação nas cinco indústrias de conservas instaladas no município, cujo produto de processamento principal, ou em alguns casos exclusivo, é o pêssego.
Na infraestrutura os danos decorrem da chuva de granizo, que causou prejuízos em cerca de 100 propriedades, com quebra e perfuração em telhas de fibrocimento. É necessária a reposição de 1 mil telhas. Cerca de 250 km de estradas vicinais foram danificadas e o valor necessário para manutenção está previsto em R$ 1,2 milhão.

Outro município a decretar situação de emergência foi Arroio do Padre, com R$ 865,3 mil perdidos na agropecuária. As principais culturas afetadas foram fumo, hortaliças e morango, este com R$ 72 mil. Na pecuária, bovinos de leite e pequenas criações. Na infraestrutura dos produtores, houve danos em coberturas, estimadas em R$ 265 mil.
No total, 250 residências foram atingidas, todas atendidas com lonas. O granizo também danificou estruturas de escolas municipais, do prédio do Centro de Referência em Assistência Social (CRAS), do escritório municipal da Emater, e do Centro de Eventos Dorothéa Coswig Buss, que somam R$ 2,2 milhões para serem reparadas.

Situação de alerta
Em Rio Grande, o excesso de chuvas provocou perdas na agropecuária que somam R$ 10,5 milhões. Outra preocupação é o nível da Lagoa dos Patos. Segundo a Defesa Civil Municipal, os ventos leste e nordeste promoveram avanço da água na região das Ilhas do município, principalmente na Ilha da Torotama, atingindo ruas e residências. O abrigo montado no Salão Paroquial do Povo Novo segue recebendo os moradores da Ilha da Torotama e da Ilha dos Marinheiro. Até quinta-feira, 62 pessoas estavam acolhidas no local, sendo 27 famílias com 11 idosos, 28 adultos, cinco adolescentes e 18 crianças.

Outros municípios ainda apresentam danos em residências com a queda de granizo, estradas e pontes. As demandas foram apresentadas ao governador Eduardo Leite (PSDB) em reunião no dia 23 de setembro na sede da Associação dos Municípios da Zona Sul. (Azonasul) Leite afirmou que é preciso definir prioridades e que a administração irá auxiliar os municípios dentro da capacidade financeira, assim como na celeridade junto à liberação de recursos pelo governo federal.
O governador também sinalizou a possibilidade de fornecer kits com equipamentos e operadores.
Na quinta-feira, o chefe do Executivo estadual esteve em reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), na qual entregou quatro expedientes com pedidos relacionados a diversos temas, em especial à reconstrução pós-enchentes.
Setembro mais chuvoso em cinco décadas
O mês de setembro foi o mais chuvoso desde 1971, segundo dados do Laboratório de Agrometeorologia da Embrapa Clima Temperado, com estação instalada em Capão do Leão. Do dia 1º até quinta-feira foram registrados 451,8 mm. A segunda maior marca ocorreu em 2021, com 319,2 mm. A média para o mês é de 123,7 mm.
Os dados estão disponíveis a partir do site do laboratório, que é atualizado em tempo real a partir de coletada pela estação automática. Os dados de chuva são medidos desde 1893, mas períodos antes de 1971 não estão disponíveis on-line.
O pesquisador da Embrapa Clima Temperado, Carlos Reisser, afirma que as chuvas promovem grandes danos às culturas presentes na região, como o pêssego e o morango. Neste sentido, deve haver cuidados com a presença de doenças. “Não só a chuva, mas a falta de radiação, ventos, granizo, isso é extremamente prejudicial para a nossa agricultura”, afirma.
Causas vão além do El Niño
O professor do curso de Meteorologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Júlio Marques, explica que de tempos em tempos a natureza promove eventos extremos. Ele atribui o excesso de chuvas à três fatores: a ocorrência do El Niño, a sequência de frentes frias em quantidade maior do que o normal e o aquecimento das águas do oceano Atlântico.
O El Niño ocorre quando o oceano Pacífico Equatorial está mais quente do que a condição média histórica. Conforme Marques, isso contribui com a chegada de mais umidade ao estado que, aliada ao segundo fator, que é a maior frequência de frentes frias, favorece as chuvas. “A cada quatro dias, praticamente, está entrando uma nova frente fria. […] Parece que as chuvas estão consecutivas, mas são as frentes que estão entrando e passando”, aponta, exemplificando com a oscilação de temperatura.
O terceiro fator que agrava a situação é que o oceano Atlântico também está mais aquecido, produzindo mais umidade. Ele salienta que os grandes volumes são influenciados mais por este fator do que pelo El Niño.
“Todos esses eventos pesados, até agora, foram praticamente na metade leste do Rio Grande do Sul, ou seja, mais próximo do Atlântico”, disse. Este aquecimento, segundo ele é um fenômeno natural, cíclico. “Os impactos ficam mais agressivos porque a gente acaba alterando a superfície do planeta”.
As chuvas deverão dar uma trégua nos próximos dias. O meteorologista aponta que o tempo deverá permanecer firme ao menos até a metade da próxima semana.
Até o fim do ano, no entanto, a expectativa é que os índices pluviométricos permaneçam acima da média. Em outubro e novembro deverá cair o equivalente a duas vezes o normal para o período e a três em dezembro. “Para agricultura, atividades primárias, pesca, será uma primavera, um final de ano entre as mais chuvosas”, disse, citando períodos de 1973, 1997, 1982, 1983, 2017, com a ocorrência do El Niño.
Ele recomenda que a população acompanhe a previsão do tempo com frequência diária, como forma de se preparar para as mudanças, seja nas zonas urbana ou rural. “A atmosfera é muito dinâmica neste período de primavera. È um período de transição, a gente sai de um período frio para um período quente”.