A produção e venda de frutas cítricas, principalmente laranjas e bergamotas, tem sido vista como uma alternativa de diversificar a atividade na propriedade rural, especialmente aquelas que já têm uma tradição com outras frutas, como o pêssego e a uva. O período de outono/inverno é o momento da colheita destas frutas, que não coincide com as demais, principalmente o pêssego, que começa a ser colhido nos meses de outubro e novembro.
“Orientamos os produtores a produzir bergamotas por um período mais longo do ano, como a variedade Okitsu, conhecida como japonesa, que produz bem cedo, a partir de fevereiro”, explica o extensionista da Emater/RS-Ascar Pelotas e engenheiro agrônomo, Rodrigo Prestes.
Segundo ele, o momento é de colheita da variedade Ponkan, a mais representativa na região, além de ser bem produtiva e resistente a doenças, oferecendo boa rentabilidade ao produtor, seguida por outras variedades mais tardias. “Nota-se o crescimento do uso de tecnologia, principalmente em pomares de laranjas sem semente, que a gente pode destacar a Navelina e a Lane Late”, diz o agrônomo. Prestes explica que estas variedades mais conhecidas como laranjas espanholas são maiores e têm valor agregado maior. Se produz, ainda, laranjas de suco e de umbigo.

O extensionista conta que, basicamente, Pelotas produz laranjas com 40 hectares, 80 produtores envolvidos e 600 toneladas anuais, e bergamotas, também com 40 hectares de pomares, 55 produtores envolvidos e em torno de 600 toneladas produzidas por ano. O município é o maior produtor da região, seguido por Canguçu, com 405 toneladas, e Capão do Leão, 350 toneladas.
O chefe geral da Embrapa Clima Temperado, pesquisador Roberto Pedroso, destaca que a Zona Sul do estado é apta ao cultivo de citros, preferencialmente cultivares precoces, sempre utilizando porta-enxertos tolerantes ao frio, como o Trifoliata. Segundo ele, pode se usar todas as cultivares de laranjas, tangerinas, limões, limas ácidas e híbridos de citros na região, sempre utilizando o Trifoliata como porta-enxerto, que confere tolerância ao frio e induz a produção de frutas de alta qualidade.
“O produtor para escolher a cultivar deve pensar no mercado: mesa ou suco, época de colheita, se laranja, tangerina ou limão, suscetibilidade a pragas e doenças, preço da fruta, etc”, diz o pesquisador. Entre as mais recomendadas, ele cita as variedades de laranjas de umbigo Navelina e Lane Late. Entre as comuns, ele cita a Valência e Salustiana e ainda, entre as tangerinas, a Okitsu, Nadorcott, Ponkan, Caí e Montenegrina.
Experiência do produtor
O produtor Enoir Belletti Schimidt viu em um antigo sonho do pai, o potencial financeiro da produção de bergamotas. Na propriedade localizada na Colônia Santo Antônio, 7º Distrito de Pelotas, na localidade do Bachini, o pai iniciou o pomar, há cerca de 40 anos atrás, com 20 plantas da variedade Ponkan. Há 15 anos, Schimidt partiu para o investimento, com a ampliação do pomar, que atinge hoje, aproximadamente, três hectares, um hectare de plantas novas. “Trata-se de alternativa mais viável, principalmente no que se refere à mão de obra na comparação com o pêssego”, afirma.
Segundo ele, a cultura não precisa de acompanhamento como o pêssego, tais como poda e raleio, bem como possui um período bem maior de colheita. “Dependendo do clima, se o inverno não for muito frio, nem chuvoso, a bergamota aguenta por mais de 70 dias no pé”, diz. Conforme o produtor, o pêssego, ao contrário, passado três dias de maduro, aguenta no máximo mais dois dias antes de ir para o chão.
A colheita geralmente começa nos primeiros dias de junho e se estende até a segunda quinzena de agosto, mas houve anos em que o produtor conseguiu colher ainda, até os primeiros dias de setembro. No ano passado, entre a variedade Ponkan e as mais comuns, como Pareci, Rainha e Caí, o produtor colheu perto de 40 toneladas da fruta.
O produtor Marcos Cavallin cultiva citros desde muito jovem, na Colônia Júlio de Castilhos, 5º Distrito de Pelotas, na localidade da Cascata. Seu aprendizado começou com o pai Pedro Cavallin, coforme ele, um dos pioneiros no cultivo de citros na região, a partir dos anos 70. Com o falecimento do pai, ele assumiu a propriedade e tornou os citros o carro-chefe. São sete hectares de pomares, com predomínio das bergamotas, variedades sem sementes indicadas pela Embrapa Pelotas, e também laranjas de suco com duas mil plantas em plena produção. O produtor pretende aumentar a sua produção com a ampliação do pomar, um projeto para o futuro.
Há cerca de três anos, realizou a conversão dos seus pomares para o cultivo orgânico e que já está com certificação. “A minha produção hoje é praticamente quase toda direcionada para mercados institucionais, tanto a laranja quanto a bergamota, destinadas à merenda escolar, via cooperativa e distribuição de alimentos do PAA”, diz, ressaltando que em caso de excedentes, são vendidos para atacados ou Ceasa.
Segundo Cavallin, existe espaço para a produção já que a região ainda produz muito pouco em relação ao consumo. “A maioria dos citros consumidos em Pelotas vem de fora, a produção aqui ainda é pequena”, destaca.
A colheita, que começa no final do mês de março se estende até outubro, devido às variedades mais tardias. “Com este mercado de merenda escolar, se estabeleceu uma época de colheita o mais ampla possível, com uma produção durante oito meses de bergamotas e laranjas de suco”, ressalta.
Produção regional
Segundo o coordenador de Sistemas de Produção Vegetal do Escritório Regional da Emater Pelotas, engenheiro agrônomo Evair Ehlert, se comparada a outras regiões do Rio Grande do Sul, a citricultura ainda não é uma atividade muita expressiva entre os municípios da Zona Sul. Os maiores produtores somam pouco mais de 54 hectares de bergamotas e 147,4 hectares de laranjas. O último levantamento foi realizado em 2020, através do Censo Frutícola da Emater RS e envolve informações de 22 municípios com produção comercial destas frutas.
Cadeia produtiva no estado
*Pesquisador Roberto Pedroso
A citricultura do Rio Grande do Sul envolve cerca de 20 mil produtores rurais, mais de uma centena de viveiristas, produtores dos mais diversos insumos, beneficiadores de fruta, indústrias de suco concentrado e pronto para beber e de outros subprodutos da fruta, atacadistas, feirantes, varejistas e cerca de 11 milhões de consumidores. Mesmo assim, importa de outros estados, sobretudo do Paraná e de São Paulo, e de outros países, principalmente da Espanha e do Uruguai, quase que 50% dos citros que consome nas formas de fruta e suco. Em apoio à citricultura, há 22 anos, a Embrapa Clima Temperado desenvolve tecnologias para o cultivo de citros, nos sistemas de produção orgânica e integrada.
A grande maioria dos citricultores é de base familiar, sendo a área média plantada com citros inferior a dois hectares por propriedade. A citricultura empresarial é conduzida por menos de uma centena de produtores, localizados, principalmente, nas regiões do Vale do Caí e Campanha Gaúcha, com área cultivada de 3 a 300 ha por propriedade. O associativismo é muito praticado, notadamente no Vale do Caí, por meio do qual os pequenos citricultores buscam superar suas limitações na produção, e, sobretudo, no beneficiamento e na comercialização da fruta. São exemplos dessas organizações a Associação Montenegrina de Fruticultores, Cooperativa dos Fruticultores de Agricultura Familiar do Rio Grande do Sul, Associação dos Citricultores da Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul, Associação dos Citricultores de Liberato Salzano, dentre outras.
Os principais polos de produção encontram-se no Vale do Caí, Campanha Gaúcha, Alto Uruguai e região Noroeste do Estado. A citricultura do Vale do Caí existe há três gerações, destacando-se, atualmente, na produção de tangerinas. Nas regiões Noroeste e do Alto Uruguai, a citricultura é bem mais recente, cuja expansão foi apoiada pela Emater-RS, tratando-se de pequenos pomares onde se cultiva prioritariamente a laranjeira Valência, com boa parte dos frutos sendo destinada ao processamento industrial. Na região da Campanha Gaúcha encontra-se o polo de produção de citros sem sementes, iniciado em 1998, com apoio da Embrapa Clima Temperado, onde se cultivam aproximadamente 3,5 mil hectares, cuja produção é comercializada nas principais redes de supermercados do Estado e em outras partes do País.
Embora o Rio Grande do Sul tenha sido um dos pioneiros no estabelecimento da legislação sobre produção de mudas de citros em ambiente protegido, em 1998, ainda existe mais de uma centena de pequenos viveiros produzindo mudas a céu aberto, cuja produção não está adequadamente quantificada. Em viveiro-telado, a produção de mudas cítricas é da ordem de 400 mil ao ano. Nos anos em que a demanda supera a oferta, as mudas são adquiridas principalmente em Santa Catarina.
Quanto às cultivares, a região do Vale do Caí destaca-se na produção das tangerinas Montenegrina (principal), Caí e Pareci; o Alto Uruguai e região Noroeste pelas laranjas Valência (principal) e Folha Murcha; e a Campanha Gaúcha pelas laranjas de umbigo Navelina, Lane Late e Cara Cara, laranja Salustiana, tangerina Okitsu e híbridos Ortanique e Nadorcott. O Trifoliata é o principal porta-enxerto utilizado, destacando-se pela longevidade das plantas, tolerância a várias doenças e por induzir alta qualidade aos frutos.
O sistema de produção convencional é utilizado na grande maioria das propriedades. No entanto, existe mais de uma centena de produtores orgânicos e praticamente o mesmo número utilizando os princípios da produção integrada. Os produtores orgânicos certificados concentram-se no Vale do Caí, estando organizados na Cooperativa dos Citricultores Ecológicos do Vale do Caí (Ecocitrus) e na Associação Companheiros da Natureza, havendo produção de frutas para mercado in natura, sucos, geleias, etc. Os princípios da produção integrada são utilizados principalmente pelas empresas produtoras de citros sem sementes da Campanha Gaúcha, tais como a Citrusul, Gorange e Orange Agroindustrial, que adotam sistemas tecnificados de produção.
Dentre as principais limitações da cultura, destacam-se as de natureza fitossanitária. De acordo com os produtores, a pinta-preta é destacadamente o maior problema da região do Vale do Caí, seguido pelo cancro cítrico e mancha marrom de alternária. Estas duas últimas doenças vêm sendo controladas principalmente por meio do uso de cultivares tolerantes. A pinta-preta e a mancha marrom de alternária ainda não existem na região da Campanha Gaúcha, onde o cancro cítrico é o maior fator limitante. Essa doença é endêmica na maior parte do Rio Grande do Sul, causando grandes prejuízos notadamente nos anos mais chuvosos. O manejo da doença tem sido conduzido por meio de pulverizações com produtos à base de cobre e tratos culturais específicos para redução da fonte de inóculo.
O Huanglongbing (HLB) ainda não foi encontrado no Rio Grande do Sul, de acordo com levantamentos anuais realizados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) em parceria com a Embrapa Clima Temperado. Porém, o inseto vetor existe em algumas regiões.
Embora exista no Estado por volta de uma dezena de indústrias de suco e de subprodutos de citros, a produção está voltada principalmente ao mercado de frutas frescas, priorizando-se a demanda estadual. No entanto, frutos das laranjeiras de umbigo Navelina e Lane Late, do híbrido Ortanique e, também, de tangerineira Montenegrina são comercializados, ainda, em Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Por outro lado, no período de entressafra, ocorrem importações notadamente de laranjas Navelina e Lane Late da Espanha, de laranja Pêra de São Paulo e Paraná, e de tangerina Ponkan do Paraná. Da mesma forma, as indústrias de suco do Estado adquirem frutas do Paraná e de São Paulo para manter suas linhas de produção em funcionamento durante o maior número de meses possível do ano e quando conseguem adquirir frutas desses Estados a preço compensador.
As melhores regiões do Rio Grande do Sul para o cultivo de citros foram levantadas por meio de estudo de zoneamento agroclimático coordenado pela Embrapa Clima Temperado. Nesse estudo, as regiões foram classificadas quanto à sua aptidão de cultivo, considerando-se o risco de geada, soma térmica e especificidades das cultivares. Deve-se acrescentar que amplitudes térmicas diárias superiores a 10º C no período de colheita proporcionam a produção de frutos com coloração laranja intensa da polpa e da casca e balanço equilibrado entre açúcares e acidez, condições estas frequentes no Rio Grande do Sul, e que oportunizam a produção de frutos com qualidade diferenciada.