Oito anos e 11 meses depois, julgamento do caso da Boate Kiss começa em Porto Alegre

Incêndio em Santa Maria (RS) matou 242 pessoas e deixou 636 feridas. (Foto: Reprodução/Agência Brasil)

O dia 27 de janeiro de 2013 ficou marcado na história do País e, principalmente, na vida das quase 900 vítimas da tragédia na Boate Kiss e suas famílias. Aquela deveria ser uma noite de comemoração dos alunos dos cursos de Agronomia, Veterinária entre outros da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), que organizaram a “Agromerados” para festejar suas formaturas. Mas durante uma das apresentações musicais, um sinalizador aceso por um membro da banda Gurizada Fandangueira, começou o incêndio que é o segundo maior do Brasil em número de vítimas.

A boate, que tinha capacidade para receber 690 pessoas, tinha entre 800 e mil pessoas naquela noite. A perícia concluiu que logo após o fogo atingir parte do teto a fumaça se espalhou rapidamente pelo prédio, deixando 242 mortos e 636 feridos.

A lembrança daquela noite ainda é bastante viva na memória das famílias e sobreviventes. Logo após o acidente, em fevereiro de 2013, foi criada a Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), para lutar pelos direitos, interesses e garantir auxílio e amparo a essas pessoas. Carina Corrêa é membro da Associação, e perdeu a primogênita Thanise Corrêa Garcia, de apenas 18 anos, na tragédia.

Carina conta que a dor ainda é a mesma daquele dia 27. “Reviver a tragédia é algo que acontece quase diariamente, desde um barulho de sirene a um telefonema. Sem falar na saudade constante e a tristeza de ter enterrado minha filha”, afirma.

Quase nove anos depois, apenas na quarta-feira (1º), o caso começou a ser julgado no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), na capital gaúcha. O juiz-presidente do caso é Orlando Faccini Neto, titular do 2º Juizado da 1ª Vara do Júri da Comarca de Porto Alegre. Ao longo de toda apuração, 28 pessoas foram indiciadas, mas o julgamento trata de quatro réus: dois sócios da casa noturna, Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann; o músico Marcelo de Jesus dos Santos e o produtor cultural Luciano Bonilha Leão, ambos integrantes da banda Gurizada Fandangueira.

A defesa de Spohr se diz totalmente preparada para o julgamento. “Meu cliente tem vivido a angústia de ser acusado de ter atuado dolosamente para a ocorrência da morte de inúmeras pessoas, mesmo ele obedecendo tudo que o poder público determinava na época para um empresário do ramo de casas noturnas”, explicou o advogado Jader Marques.
Da mesma forma, a defesa de Leão se diz pronta para demonstrar que o réu é inocente. Os advogados de Hoffmann e Santos também foram procurados, mas não retornaram até o fechamento desta edição.

Jacqueline Valles, jurista, mestre em Direito Penal e especialista em Tribunal do Júri explica que a acusação contra os réus é de homicídio consumado e tentativa de homicídio. As duas no dolo eventual, aquele em que a acusação afirma que os réus tinham como previsão que o resultado dos seus atos seria a morte. “Eles respondem pela previsão de que aquele fato poderia sim ocorrer e eles arriscaram para esse fim”, conclui.

Sete jurados foram escolhidos por meio de sorteio para participar da formação do Conselho de Sentença. A expectativa do TJRS é que demore cerca de 15 dias, pois as atividades serão diárias até às 23h, inclusive aos fins de semana.

Ainda segundo Jacqueline, é comum a demora por causa da complexidade do número de pessoas envolvidas no julgamento. “São quatro réus, 878 vítimas representadas pelo Ministério Público e testemunhas indicadas para representar como ocorreram os fatos. Cada réu também fará sua defesa e seu recurso. Por isso, a demora é previsível.” pontua.

Nos últimos meses, a AVTSM realizou campanha para acompanhar o julgamento em Porto Alegre, considerando que muitas famílias não têm condições de arcar com os gastos de transporte, hospedagem e alimentação durante o período do julgamento. Apesar da dor, Carina, pretende acompanhar todo o processo junto de outros familiares e vítimas e torce para que a justiça seja feita.

“O julgamento será doloroso tão quanto foi a noite, mas é necessário. Minha expectativa é que se cumpra as leis que estão na constituição que norteiam nosso país para que sirva de exemplo e que minha filha não tenha morrido em vão e que outras mães nao chorem o que eu chorarei o resto de minha vida pela falta de minha Thanise”, afirma.

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