Um “salário secreto” para os brasileiros

Manoel Jesus, educador.

A discussão sobre o “orçamento secreto” – que ainda vai dar muito que falar – não é apenas questão de “direito” dos congressistas em ter recursos que destinem para as suas bases eleitorais. Escancara a desfaçatez com que políticos lidam com recursos públicos em benefício próprio. Mostra que o sistema dos três poderes independentes se atrapalhou, ao menos no Brasil, pois quem deveria ser responsável pela legislação e fiscalização outorga-se a prerrogativa de agir como executivo. Mistura que se “naturalizou”, no amargo gosto de que, se alguém ganhou, não foi a população…

Um ruído nas relações foi exatamente quando Legislativo e Judiciário resolveram se reunir a fim de “aparar arestas” e, quem sabe, retroceder na medida tomada pela ministra Rosa Weber. Não “colou” e o governo, por enquanto, tem que pensar outras formas de pressão ou negociação para “a boiada passar”. As emendas de relator mostram exatamente o contrário do que se precisa num sistema democrático: transparência. Recursos de governo devem ser aplicados publicamente, com o direito do cidadão, meios de comunicação e entidades representativas de se manifestar livremente.

O que deveriam ser medidas técnicas, tomadas por quem foi eleito para administrar bens públicos, acaba tendo prioridades estabelecidas por aqueles que embolsam os minguados recursos e direcionam para seus bretes eleitorais. Em tese, os papéis dos poderes executivo, legislativo e judiciário estão bem definidos. Porém, na prática, a teoria acaba sendo outra. Esta promiscuidade é que faz com que o ralo financeiro do que deveria chegar em serviços à população acabe em desvio, obras fantasmas ou esqueletos abandonados que denunciam a incapacidade administrativa.

São os mesmos a dizer que igrejas não devem se meter em política. Quem quer calar profetas, como o papa Francisco, sabe que ele tem clara a definição de política, como agir público, a necessidade de cuidar do que é comum e das pessoas. O que fazem nossos representantes (infelizmente) eleitos é dar privilégios que são crimes disfarçados de atuação benemerente. E quem diz que não se deve falar em política, argumentando que não tem cargo público, portanto é isento, não o é. É cúmplice ao fazer uma significativa parcela da população ter que mendigar direitos elementares.

Para isto, são necessárias as vozes sociais, como a Cáritas Arquidiocesana, que se preocupa com atendimento básico e lança o olhar para o que falava dom Hélder Câmara: “quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto por que eles são pobres, chamam-me de comunista”. A necessidade da consciência dos direitos, por exemplo, de indígenas e quilombolas, passa por processos, como garantir título de eleitor e participação no processo democrático. A forma como tentam anulá-las é perseguição, desconhecimento e tentativa de brecar seu papel social.

Se parlamentares podem ter orçamento secreto, solicito que brasileiros desempregados e ganhando até dois salários também tenham direito a um “salário secreto”. As vozes solenes que defendem políticos dirão que é necessário, primeiro, atender a economia… Desculpem, não entendo que, onde existem tantas “cabeças privilegiadas” (ganhando tão bem) não se encontre formas de que as duas coisas sejam realizadas. O Brasil precisa ser, mais do que nunca, a nação dos brasileiros. Lugar de viver em paz e ter as realizações que tanto sonha e se mostram cada vez mais distantes…

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