Um barco, três batalhas e uma chácara

José Henrique Pires licenciado em Estudos Sociais pelo ICH-UFPel, especialista em Políticas Públicas pela Universidade de Salamanca, Espanha, jornalista e radialista. (Foto: Divulgação)

Houve um tempo em que, na Região Sul, eram diários os deslocamentos pela hidrovia, ligando São Francisco, São José e São Pedro.

Foi no nosso Rio Grande do Sul, não na Califórnia (EUA), como algum desavisado poderia supor.

Louis Frederic Arsene Isabelle, o escritor e viajante francês, um ano antes de iniciar a Revolução Farroupilha, esteve naquelas bandas, quando Pelotas era designada São Francisco de Paula. São José do Norte já era conhecida pelo nome que tem até hoje e Rio Grande tinha um nome mais longo, incluindo o “de São Pedro”, como alguns descreviam aquela localidade.

Conta Arsene Isabelle que em 1834 a empresa Carrol Forbes & Cia pretendia do governo brasileiro a permissão para explorar um sistema de transporte hidroviário com três barcos – com motores movidos a vapor – coisa moderníssima naquela época. Um viajaria de Rio Grande a Porto Alegre, outro do Jacuy até Cachoeira e o terceiro para apoio aos navios que chegavam a Barra do Rio Grande, um rebocador portanto.

Nos seus interessantes escritos, o francês faz referências “a um barco a vapor, construído neste lugar (Pelotas), percorrendo nove milhas por hora, transportando tanto mercadorias como passageiros, vai e vem, diariamente de São Francisco de Paula a Rio Grande, passando pela cidade do Norte ou São José.”

Ainda sobre sua presença e observações sobre a Pelotas de então (ainda não tinha esse nome, lembremos), Arsene registra “lá trata-se de construir um segundo barco para fazer a navegação de Porto Alegre”.

A embarcação que já estava funcionando e deixava o povo boquiaberto, fora construída em estaleiro existente em Pelotas, o que nos permite supor que o viajante francês tenha navegado a bordo da Barca Liberal, feita a mando de Domingos José de Almeida e Antônio José Gonçalves Chaves e que mais tarde viria a constar nos livros de história como o primeiro barco movido a vapor a participar de uma batalha naval em águas americanas.

Quando iniciou o conflito farroupilha, o Governo Imperial requisitou a Barca Liberal e adaptou nela alguns canhões de artilharia, que já instalados, em 1836, trocaram tiros nos conflitos ocorrido na hoje conhecida Chácara da Brigada, antes Passo Rico ou Passo dos Negros, região que teve outras duas batalhas além daquela primeira, todas naquela longínqua década de trinta do século XIX.

Feita para transportar mercadorias e passageiros e com seu pioneiríssimo motor a vapor, sabe-se que a barca foi bastante complicada para ser pilotada, pois – fora os farroupilhas que a haviam feito e a operavam – não havia gente habilitada no Governo Imperial ao manejo de barco tão ligeiro, ainda mais em meio a tiroteios e chuvas de bolas de metal com seus infernais estrondos, próprios das mais terríveis trovoadas.

Terminadas essas batalhas (há registros no famoso lenço farroupilha), em seguida a revolução muda de status. Em 11 de setembro de 36 o Rio Grande do Sul declara independência e naquele momento deixa de ser uma província em armas para ser um país em luta, uma República enfrentando o Império Brasileiro.

O conflito foi até 1845, com a assinatura do acordo de paz.

E as batalhas travadas nas margens e dentro do Canal de São Gonçalo, com lanchões e barco a motor, apesar do ineditismo, foram praticamente varridas da memória.

Fosse em alguma cidade turística, haveria memoriais, excursões, seminário, etc.

Quem sabe um dia alguém se lembre de valorizar esses lugares sagrados para os gaúchos.

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