Tolerância ou cumplicidade?

Eu estava com 8 anos, meu irmão, o Cláudio, com 6. Metidinhos, na saída do colégio, provocamos um vizinho bem maior. Não deu outra, fomos corridos. Chegamos em casa com a língua de fora e contamos para a minha irmã, uma “mocinha” de 11 anos. A Loci tomou as nossas dores, pegou um pedaço de pau e esperou na quina da casa. Ficamos atrás para “suporte psicológico”. Resultado: o garoto tirou a madeira da mão da minha irmã e éramos três fugindo em direção ao pátio. Foi parado pelo Leão, nosso cachorro, na outra quina da casa, que rosnou bem mais ameaçador do que nós……

A lembrança foi pelo que tenho visto nos últimos tempos e exemplifico com duas situações que demonstram que, embora todas as explicações possíveis, todas as categorias – leigas ou religiosas – acabam sendo corporativistas, defendendo os seus, na máxima de que “posso brigar com os meus, mas que ninguém se meta a valente contra a minha família!” Tanto no âmbito profissional, quanto das relações de fé, há um esgarçar de limites que beira à cumplicidade. Num jogo do que a política tem de pior em que se permite que o outro se enforque sem que eu precise sujar as minhas mãos……

Recentemente, dezenas de mulheres recorreram à Justiça porque foram abusadas sexualmente por um médico, em Porto Alegre. As investigações e a publicização, mostraram que o mesmo havia sido motivo de 23 investigações pelo Conselho de Medicina do Estado, seu registro foi cassado em duas ocasiões, mas teve a pena máxima suspensa pelo Conselho Federal. Infelizmente, como um texto permite que se registre o que se quer, fizeram pose de bons moços e sentenciaram: sua atuação “se caracteriza pelo respeito aos princípios da ética, da justiça e da idoneidade”. Por favor…

Outro caso deu-se em 2 de agosto, quando juízes do Supremo Tribunal Federal mostraram sua capacidade de espírito de corpo ao solicitar (até que enfim!) abertura de processo contra o presidente Bolsonaro, depois dele ter feito gato e sapato com as instituições. Não creio que tenham sido tolerantes, mas, aqui, vale a máxima de que são pessoas espertas e capazes de deixar um desafeto, conhecido por seus rompantes, achar que estava “tudo dominado”, esticando as relações, abusando de suas prerrogativas, até que a corda estivesse no ponto certo para dar um nó sem volta.

Mentes doentias, desequilibradas, ou por não ter o que fazer (profissionais, religiosos, políticos…) tencionam relações tirando benefícios pessoais, familiares ou de grupos. O exercício da democracia se dá quando todos sabem que existe um código que precisa ser cumprido e que, se for transgredido, se arca com as consequências. Não é o que se tem visto. A condescendência de algumas instituições com seus integrantes, beira ao deboche. O que se vê, no entanto, é que normas são aplicadas a quem está mais distante do poder e outros possuem o benefício de recursos que resultam em impunidade.

Quando poderes constituídos se submetem um ao outro, está em risco o bem maior, a democracia e o que nela está contido. Uma das fronteiras da tolerância se chama cumplicidade: superior religioso que faz vista grossa para comportamento inadequado, patrão que finge não ver o assédio moral, tribunal que deixa passar atitude de prepotência e desmando…… Aprende-se que, no básico, Legislativo faz leis, Executivo executa e o Judiciário fiscaliza o cumprimento das leis. Na omissão, falta um “Leão” que estabeleça até onde se pode chegar, o papel de cada um…… e os seus limites!

Enviar comentário

Envie um comentário!
Digite o seu nome