Sem retoque e com rasuras

O dia de hoje está sendo escrito, linha por linha, sem rascunho. É impos­sível eliminar momentos numa tentativa de vivê-los melhor de outra forma.

Inexorável é a tinta e o traçado no papel das horas. Um só e único recurso é colocar entre o sinal gráfico de parênteses, algum percurso desagradável.

Inexistem retoques nas páginas que se folheiam na vida, nem se pode destacá-las do caderno de espiral do existir. Errou? Não tem como apagar. Fica a rasura assinalada na brancura virgem do papel. É preciso ter cuidado. Cada dia é uno e indivisível; não se repetirá. A atenção é imprescindível, evi­tando que deslizes sejam cometidos e repetidos.

Na retrospectiva do livro da vida, por certo, se descobre que no início, nas primeiras garatujas, tudo era atrapalhado e a pontuação não existia. Era um torvelinho de palavras, buscando nada além do que a espontaneidade.

Mais adiante, aparecem correções adolescentes e nervosas, riscos e ra­biscos no estreante treino de viver.

Na idade adulta, a letra mais firme permite a leitura fácil, apesar das en­trelinhas impregnadas de suspiros, muitas vezes, incompreensíveis.

Mas tudo isso não passa de registro no livro que escrevemos de próprio punho e com conhecimento de causa.

Sempre, a cada minuto é tempo de pisar leve, falar manso. Prudência e bom senso em doses maciças.

Se tivermos que usar corretor para a o momento em que a palavra foi mal redigida, podemos culpar equivocadamente a pressa que acomete os que já viveram bastante e sentem o tempo se esgotar.

Na tentativa de escrever uma página perfeita, esquecemos que sem o ras­cunho não é provável que consigamos. E o rascunho não é outro senão o que já redigimos no passado que, por menos que queiramos, está presente e faz do futuro uma incógnita supostamente atenuada de borrões e manchas porque mais límpida e transparente. O decorrer do tempo aprimora nossos rabiscos.

Concluo que sou, ainda, aprendiz de escritor com erros e acertos e assim serei até o derradeiro parágrafo com seu ponto final.

Terei uma lápide respeitável se lembrarem das árvores que plantei, dos fi­lhos que gerei, mas só de mim dependerá que o livro da minha vida se torne um manuscrito a ser lido postumamente no original, sem retoque e com rasuras. Porém, inteiro, transparente, simples e verdadeiro.

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