
Os biógrafos de Gaspar da Silveira Martins convergem sempre para alguns traços de seu caráter. Sua determinação é uma unanimidade. Sua voz tonitruante, outra.
Nascido próximo ao início da Revolução Farroupilha, ao fim desta, com dez anos de idade, resolveu mudar para Pelotas, para trabalhar na ferragem do seu cunhado, Antônio Ferreira Ramos, casado com sua irmã Carolina. E revelou-se um ativo e desembaraçado caixeiro (hoje balconista).
Atuar no comércio – naquela primeira metade do século XIX – era uma das poucas chances de aprendizado de matemática, economia e contabilidade. Ter acesso a livros e jornais, num Brasil pouco letrado, fazia das casas comerciais que os tinham, além de um bom emprego, um ótimo lugar para exercitar a leitura e interagir com as pessoas melhor aquinhoadas da sociedade de então.
Mas Gaspar, mesmo precoce na sua vontade de trabalhar, tinha um temperamento leonino, aliás coerente com seu horóscopo, nativo que era do quinto signo do zodíaco. Durou pouco tempo no emprego.
Naquele tempo das diversas charqueadas instaladas em Pelotas, os arredores da cidade constituíam o maior centro de abate de gado do Brasil, para onde fluíam todas as tropas vacuns existentes no atual território gaúcho, tocadas pelos seus proprietários ou seus tropeiros, que vendiam suas rezes e recebiam seus pagamentos na cidade.
Endinheirados, compram roupas, artigos de bazar, arreios de luxo, facas e armas de fogo. Era o local do RS com o melhor sortimento desses artigos.
Gaspar da Silveira Martins, que já conhecia armamentos – apesar da pouca idade – por conta de uma pistola e de sua pouca tolerância, acabou selando seu destino e de Pelotas partiu para outras plagas (para tristeza da irmã e certo alívio do cunhado, dizem).
Assim nos conta Osvaldo Orico:
“Certo dia entrou na loja um cidadão que desejava adquirir uma arma. Gaspar foi atendê-lo, pondo-lhe diante dos olhos o arsenal da casa. Depois de muito trabalho, conseguiu que o freguês fixasse atenção numa pistola de excelente fabricante; mas o homenzinho, para depreciá-la e conseguir vantagens no preço, começou a pôr na arma uma porção de defeitos, acabando por dizer que ela falhava nos disparos.
Ouvindo isso, o caixeirinho, que havia carregado a pistola, não teve dúvida. Para provar que o homem não tinha razão e que não estava procurando ludibriá-lo, ergueu o braço e deu três disparos. Furou o teto, danificou as prateleiras e foi imediatamente despedido da casa”.
Gaspar, depois de virar Deputado, Governador e Senador, voltou diversas vezes a Pelotas e à sua antiga morada. Sua mãe, quando viuvou, mudou para a cidade, onde ficou morando com a filha.
Gaspar Silveira Martins hoje dá nome a municípios, distritos, ruas e avenidas em todo o Brasil. Talvez tenha sido o balconista que atuou em Pelotas a chegar mais longe na escala política brasileira.
Não foi o único. Mauá, nascido em Arroio Grande, Barão e depois Visconde, também trabalhou atrás de um balcão. Mas esse no Rio de Janeiro, embora mais ou menos na mesma época.
Um feliz Natal a todos!