Morrer: o direito a um porto seguro

Quando a mãe faleceu, no início do ano, eu tinha em mente algumas coisas que não desejava que acontecessem: que sofresse, morresse sozinha, dormindo ou em um hospital. Fui abençoado: faleceu pela manhã, em meus braços, tranquila, sem dizer uma palavra, apenas olhando para mim. Não sei se, na realidade, idealizei o que havia pensado ou se já era um pouco por estar marcado por outras mortes.

Fazendo parte da vida, o nascimento e o fim continuam e, seguidamente, ouço conhecidos contarem experiências com pessoas doentes ou idosas. Recentemente, um amigo acompanhou o pai com câncer num hospital. Chegou o momento difícil em que já não há mais nada o que fazer. O idoso se mantinha consciente e pediu: queria voltar para casa. Sabia que não restava muito tempo e desejava morrer em sua cama, no lugar que construíra para viver com a esposa e os filhos.

A família se envolveu na discussão. A maioria contrária a que deixasse o hospital. Mas, em última instância, quem devia endossar ou não o pedido do pai era o filho. Ele esqueceu de tudo o que os “sensatos” lhe disseram. Aprontaram o quarto para dispor de equipamentos básicos e voltou para o que, por toda uma vida, foi um lar. Na porta, uma parada e uma lágrima rolou enquanto o idoso olhava, possivelmente pela última vez, para o jardim onde em tantas ocasiões passara as tardes com sua esposa.

“Tua mãe me espera”, ainda comentou. Dali em diante não falou mais, até falecer, uma semana depois. Meu amigo repetiu o que ouço de muitos cuidadores: o pai chamava sua esposa pelo nome de sua mãe; o chamava pelo nome do próprio avô e perguntava quando iriam voltar para casa e onde é que estavam. A memória próxima que se perde e a busca desesperada por um passado onde justificar a própria solidão…

Michael Bublé, na canção Home fala de suas andanças pelo mundo (Paris, Roma…), “talvez cercado por um milhão de pessoas, eu ainda me sinto totalmente sozinho. Eu só quero ir para casa. Eu sinto sua falta, sabe?” É o caso de uma pessoa idosa ou doente que se pensa estar melhor num hospital onde, apesar de toda a sofisticação e preparo técnico, não consegue servir como referência emocional e afetiva.

Embora o que se passe já não é o que entendemos por ausência, o “voltar para casa” de uma pessoa que está fragilizada é também um ponto físico, mas, mais do que isto, sentimento de que, em algum lugar, ancorou o coração e este é o porto onde acaba a grande viagem que se chama vida. A saudade do Infinito, como fala o padre Zezinho, é apenas caminhar em direção ao reencontro com tantas pessoas amadas, que fizeram o mesmo caminho e apenas desembarcaram um pouco mais cedo…

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