De dona de casa a economista do cuidado

Elis Radmann, cientista social e socióloga.

O mundo está cada vez mais complexo, mais difícil de entender. Por um lado, há muitas fontes de informação, inclusive Fake News e todo tipo de golpe pelo telefone e internet. De outro lado, como tenho apontado em artigos anteriores, a sociedade está mais individualista, impaciente e intolerante.

E estes fenômenos são instigados por vários fatores. Quando há várias alterações na organização da sociedade, também há mudanças no humor social.

Se prestarmos bem atenção, vamos observar que estamos quebrando muitos paradigmas, estamos começando a aceitar, respeitar ou a valorizar o que antes era rejeitado ou até classificado como conduta desviante.

E para ilustrar essa reflexão podemos retomar o conceito histórico de “dona de casa” ou da pessoa que cuida “do lar”. O IBGE estima que ±10% da população brasileira se destine exclusivamente aos cuidados do lar e das demais pessoas da casa. Não estamos colocando nesta conta as pessoas que têm a dupla jornada, de trabalhar e cuidar da casa e dos filhos.
Imagine uma pessoa que só cuida da casa e de seus familiares sendo classificada em uma pesquisa de opinião, no cadastro de um banco ou na busca de crédito (seja na aquisição de um cartão ou até mesmo na abertura de um “crediário”). Tanto para a pesquisa de opinião quanto para o cadastro no sistema financeiro esta pessoa é classificada dentro da “população economicamente inativa”, como uma pessoa que não tem renda própria, “por não trabalhar fora”.

Nunca computamos o número de horas da pessoa que se dedica a cuidar e organizar a casa, a comprar e preparar a comida, cuidar das roupas, pensar no estudo dos filhos, zelar pela saúde da família, enfrentar filas presenciais ou tempo de espera no telefone atrás de resolução de problemas ou agendas de saúde, telefonia, internet, etc.

Como todos querem ter o reconhecimento e o respeito social, começamos a observar a ressignificação do conceito de “dona de casa” para a ideia de “economia do cuidado”, que designa a profissão de cuidador.

Esta revisão conceitual traz consigo o resgate de uma profissão que cuida de todas as outras profissões. Valoriza a mulher, que na maioria dos casos abre mão da carreira profissional para cuidar da família. E, por consequência, traz consigo autoestima pessoal: a esposa, a mãe que cuida dos seus, que zela pela organização e economia de sua família.

Por outro lado, esse debate mexe na zona de conforto da sociedade, na forma como classificamos o “chefe do domicílio” e altera toda uma cultura e, por conseguinte, vai gerar ruído, estresse e até mesmo briga política nas redes sociais. De uma hora para outra, pessoas podem ser criticadas por afirmarem que sua mãe ou esposa é “do lar”.

Precisamos entender a zona de turbulência social que estamos atravessando. Na prática, é como se vivêssemos uma revolução de costumes, uma transformação social que está sendo motivada pela transformação digital da sociedade. Como temos acesso a muitas informações, olhares e opiniões, cada um escolhe a sua aldeia, a sua tribo, a maneira como quer viver ou sentir a sua existência. Até aí, nenhum problema!

O problema reside na falta de empatia e respeito de ambas as partes. Os mais liberais querem impor um novo comportamento social e os mais conservadores precisam de tempo para compreender que a evolução é necessária. E a receita está na reflexão conjunta e no diálogo.

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