De algum modo

Não é sobre partir, mudando de lugar. É sobre saber para onde ir com um plano de che­gada traçado, mesmo que os atalhos se façam necessários e os desvios sejam imprevisíveis.

Não é sobre vencer, ganhando batalhas efêmeras. É sobre saber combater para alcançar metas planejadas com suor e lágrimas e sem medo de encarar as surpresas do cotidiano, driblando inconvenientes com destreza.

Não é sobre desistir, jogando fora o que foi conquistado. É sobre saber o momento certo para separar perdas e ganhos e preservar o lucro. O aprendizado se concretiza nessa balança de pesos e medidas.

Não é sobre lamentar, dando valor inútil a desencantos. É sobre saber caminhar entre espinhos e rosas, absorver a fragrância e aceitar os arranhões inevitáveis, evitando passar ileso pelas agruras, dando-lhes o devido valor. Nem mais nem menos.

Não é sobre ansiar, deixando escapar o pássaro da mão pelos que voam. É sobre saber os limites do voo e serenizar as batidas do coração. A ansiedade é a inimiga oculta que desestrutura a serenidade e expõe as fragilidades com perícia cirúrgica.

Não é sobre chorar, esgotando lágrimas desesperançadas. É sobre saber lavar a alma no instante em que ela transborda para limpar as marcas da face. E saber que lágrimas trancadas podem afogar possibilidades. Melhor nunca perder expectativas.

Não é sobre se amedrontar com o vir a ser desconhecido. É sobre saber que o medo é libertador, pois que age como salvo conduto nas artimanhas do correr da vida. O receio maneja e desencadeia a audácia porque é desafio a ser vencido.

Não é sobre perder. É sobre saber fazer das perdas alicerces para enfrentar a ausên­cia do que se esvaiu e conseguir dançar conforme o ritmo que ainda insiste em soar em outras músicas.

Não é sobre ser jovem. É sobre descobrir como semear para colher frutos mais adiante. É fazer escolhas conscientes dentre tantas ofertas, que proliferam ao seu redor, deixando que o despertar para a vida adulta seja um parto laborioso com dores inevitáveis, mas com a perspectiva de se ver renascendo plenamente com poucas culpas e raras mágoas.

Não é sobre envelhecer os sentidos. É sobre saber fazer dos sentidos a razão de viver seja em que idade for. Conheço jovens envelhecidos e idosos juvenis. Um contrassenso muito frequente. Nuns, a alegria de existir persiste e insiste em permanecer. Noutros, a desistência de fazer da vida “uma aventura errante” é escolha feita. Opções que “aos fracos abate e aos fortes e bravos só pode exaltar” (Gonçalves Dias)

Não é sobre silenciar. É sobre saber expressar na inexistência de sons o que fala mais alto. E quem saiba interpretar que o faça. Exige muita perícia e discernimento.

Não é sobre escrever. É sobre saber colocar as palavras em harmonia com o que os pensamentos e os sentimentos desenham no teclado da alma e impelem os dedos a criar variadas e consistentes imagens no idioma que todos podem ler e entender. É a linguagem que unifica e identifica.

Não é sobre finalizar. É sobre saber arrematar pontas e polir arestas para concluir a tarefa com a satisfação de ter cumprido o que foi proposto, sem a sensação de término, mas com a certeza de poder começar de novo.

De todos os modos não é sobre ter. É sobre ser!

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