Armadilhas

Evitar ciladas é impossível. Ainda que tenhamos um GPS interno que, algumas vezes, nos avisa e assinala que o terreno é perigoso, insistimos em trilhar o caminho pleno de emboscadas. Como disse Vinícius de Moraes: “São demais os perigos dessa vida pra quem tem paixão”.

Sempre há uma postura de tocaia para nos assaltar no amplo campo dos afetos. Sejam eles da natureza que forem. Afetos antigos ou estreantes.

O pior é quando o afeto está aparentemente enraizado e ficticiamente consolidado. Desses afetos que temos desde muito e consideramos acima de qualquer suspeita. Os riscos são imensos no que tange a surpresas, cansaços, desencantos e traição de quem menos se espera.

Os afetos recentes têm a peculiaridade do recém descoberto e oferecem menor chance de emboscadas. O deslumbramento ofusca os olhos da percepção.

Porém, em meio aos embustes das paixões, incontáveis são os príncipes que se transformaram em sapos e princesas que se tornaram bruxas. Escamoteações quase nunca levam ao final feliz. Mais dia, menos dia se descobre que foi comprado “gato por lebre”, como diz a sabedoria popular.

No labirinto que existe em cada alma, encontrar o caminho certo é desafio constante e complicado. Muito make up e dissimulação impedem que o GPS funcione adequada­mente. Sem falar na manipulação exímia dos ingredientes de um relacionamento que, desastrosamente, se aprende a exercitar ao longo do tempo.

Na verdade, motivados pelo pânico de não sermos aceitos como somos em essên­cia plenamente pelo outro, mascaramos alguns detalhes, cobrimos trilhas e atalhos. E chega o momento em que as máscaras caem, iluminam-se as trilhas e se descobrem os atalhos que levam à saída do labirinto.

Daí acaba tudo em choro, gritos e ranger de dentes ou em silêncios, fugas e desconsolo.

E falando em desconsolo, o consolo é saber que essa é a exceção e não a regra.

Na maioria dos afetos existe imunidade ampla, geral e irrestrita frente às ciladas, armadilhas e artimanhas do cotidiano. Gosto muito de vê-los circulando pelas ruas entre olhares cúmplices, despojados e, ao mesmo tempo, ricos, pródigos de harmonia. Constroem suas histórias com material de primeira qualidade, passo a passo, malgrado as dificuldades e tropeços. Afetos sólidos que não sucumbem à força das ventanias. Afetos sujeitos a armadilhas são construções de palha e de madeira. Podem fracassar a qualquer instante em meio aos contratempos inevitáveis de algumas ciladas. Afetos alicerçados sobre rocha, feitos de cimento e tijolos, sobrevivem as emboscadas porque se baseiam em verdade, coerência, altruísmo e tudo o mais que revela a essência sem o receio de não agradar, de não ser aceito apesar de tudo e acima de qualquer alternativa.

O medo da rejeição desenvolve, certamente, mecanismos de armadilhas que levam a alguns fracassos no terreno dos afetos.

Esse assunto segue em outra próxima crônica. Até lá!

Enviar comentário

Envie um comentário!
Digite o seu nome