Mil quilômetros e pouco mais de 36h depois, a constatação: “dor, tristeza e fome, mas também felicidade e esperança”

Os amigos Yuri Bersch e Ales Matos percorreram mil quilômetros para entregar brinquedos às crianças que estão em abrigos em seis cidades da Costa Doce. (Foto: Divulgação)

Mil quilômetros, seis cidades e 13 abrigos em pouco mais de 36 horas. Ao ser questionado quanto ao que encontrou ao se deparar com a triste realidade da tragédia que atingiu parte do povo gaúcho, o empresário Yuri Bersch, de 29 anos, ficou em silêncio por cerca de 20 segundos para, posteriormente, responder: “um pouco de esperança”.

Ao lado do policial militar Ales Matos, de 30 anos, Bersch percorreu Guaíba, Sertão Santana, Sentinela do Sul, Arambaré, Camaquã e São Lourenço do Sul. A viagem iniciou às 4h do dia 15, quando a dupla embarcou em um caminhão e pegou o asfalto, e se estendeu até as 17h do dia 16, horário que eles desembarcaram outra vez em solo piratiniense.
Ambos viram de perto cenas de tristeza, desalento na população afetada pelas cheias, mas também de felicidade por continuarem vivos, o que, infelizmente, não é a realidade de centenas que morreram na catástrofe.

Bersch relembra a alegria de um casal que, ao lado do amigo brigadiano, conheceu em uma dessas estruturas improvisadas e que estão sendo utilizadas para abrigar quem perdeu tudo ou quase tudo. “Conhecemos um casal, pais de um bebê de apenas seis meses. Para evitar o pior, eles ficaram durante três dias em cima do telhado de uma casa em Eldorado do Sul. Tanto o homem quanto a mulher estavam faceiros, gratos por estarem, eles e o filho, vivos”, relembra o educador físico, que é proprietário de uma academia de musculação.

Mas na memória, também alguns registros que representam o outro extremo de tanta dor: “O olhar de muitos mostrava que eles estavam perdidos. Agora, percebo que cada um deles vê de uma maneira o que aconteceu e continua acontecendo. Foi comovente! Vou levar essa experiência que vivemos para o resto da minha vida”.

O objetivo de Bersch foi destinar, especialmente para as crianças, algo singelo para fazer a diferença, pelo menos por algumas horas dos muitos dias que ainda virão, e proporcionar o mínimo de diversão à criançada. “Pensei nos pequenos e, como o Ales é outro que lida com estes ao ser instrutor do Proerd, (programa que busca prevenir e evitar também o uso de drogas) o convidei para estarmos juntos nesta. Também fiz contato com diretores de escolas de Piratini e Canguçu, e os alunos destas, além de doarem os brinquedos, escreveram cartinhas com mensagens de carinho”, destacou Bersch, que acrescenta: “Quando o caminhão chegava aos abrigos, elas, as crianças, corriam até nós e queriam logo saber se tínhamos algo para elas. Sabemos que o que levamos não faz parte daquilo que é necessário para a sobrevivência neste momento, mas e os traumas que estes pequenos que tiveram o seu psicológico afetado carregarão? Entendo que o que levamos e para eles doamos também é uma forma de carinho”.

Mas o educador físico também tem algo importante a lamentar: na maioria dos abrigos que visitaram as doações não chegaram. “Todos nós vemos diariamente, através dos órgãos de comunicação, dezenas de caminhões vindos de todas as partes com donativos que enchem galpões. Mas em alguns desses que estivemos, ouvimos a mesma reclamação: ‘Para estes, nada chegou’. Eu já havia ouvido sobre isso e foi o que nos levou a entregar em mãos os brinquedos. No abrigo de Sentinela do Sul, a grande maioria do que, inclusive alimenta os desalojados, é doado pela população e por empresas”, informa Bersch, que encerra: “Estivemos em uma das tantas igrejas que também foram transformadas em abrigos. Em uma, que tinha 200 pessoas, o padre nos revelou que eles estão cozinhando para alimentar quem faz parte do hospital da Marinha. Ou seja: não tem nem para eles e o pouco que existe, não é destinado para as vítimas da enchente. Um pastor luterano nos falou que, até então, eles já haviam preparado nove mil marmitas para os que necessitam, mas nada disso com doações feitas, por exemplo, pela Prefeitura da cidade. É lamentável!”.

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