
Resgatar e incentivar o cultivo e a cultura em torno da erva-mate na Zona Sul do estado é um dos objetivos do trabalho exercido por Sandra Wienke Tavares. A tese da pesquisadora, defendida em 2020, buscou analisar a cultura da erva-mate na Serra dos Tapes. Em uma destas frentes, a instrutora do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) RS irá promover um curso de Cultivo e Manejo da planta na Escola Estadual de Ensino Médio Alberto Wienke, na Comunidade do Herval, segundo distrito de Canguçu. A capacitação seria realizada entre os dias 21 e 23 de agosto, mas foi adiada para 23, 24 e 25 de outubro.
Antes, nos dias 12, 13 e 14 de setembro haverá curso na Escola Estadual de Ensino Médio Carlos Meskó, na localidade de Iguatemi, segundo distrito de Canguçu.
Entre os conteúdos estão previstos etapas da produção de mudas e plantio, seleção de árvores matrizes e produção de sementes de qualidade, processo de produção de mudas e outros.
Segundo Sandra, será o primeiro curso do Senar voltado para erva-mate na Serra dos Tapes, que teve auge de produção a partir da década de 30. “Depois decaiu, até chegar agora, que as pessoas nem sabem que aquela planta é a erva-mate”, disse. A conclusão foi possível após a realização da tese de Doutorado, em que traçou uma linha do tempo da produção em municípios da região colonial da Serra dos Tapes, abrangendo Arroio do Padre, Canguçu, Pelotas e São Lourenço do Sul.
Hoje, a produção se concentra na região Norte do estado, em cinco polos ervateiros. O sexto está na Zona Sul, com sede em Canguçu e foi instituído em 2014, abrangendo 14 municípios: Canguçu, Pelotas, Piratini, Arroio do Padre, São Lourenço do Sul, Cristal, Camaquã, Amaral Ferrador, Pedras Altas, Herval, Pinheiro Machado, Dom Feliciano, Santana da Boa Vista e Morro Redondo.
Mas na prática, Sandra afirma que não há produção em escala, mesmo que haja a presença de plantas. Em um trabalho pioneiro na região, buscou obter informações também de âmbito histórico e cultural. A pesquisa foi realizada dentro do Programa de Pós-graduação em Sistemas de Produção Agrícola Familiar da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), com orientação do professor Flávio Sacco dos Anjos e promoveu mapeamento de algumas localidades que dispõem da planta. Para isso, houve o contato com agricultores, por indicação. No total, 28 foram entrevistados, sendo que 26 ainda tem a presença da cultura na propriedade ou já trabalharam. Apenas dois trabalham com a planta de forma artesanal.
Em uma linha do tempo, a engenheira resgatou a trajetória de exploração da erva-mate na Serra dos Tapes desde 1900, com a presença de índios Tapes na região, Farroupilhas, colonização pomerana, imigração alemã, por exemplo. “Saía daqui e ia, inclusive, para o Norte, que não era forte. Levava a folha para bater, porque não tinha a indústria aqui, e se trazia fumo, açúcar, outra coisa”, conta. Ela destaca que houve altos e baixos na produção até a década de 80. A produção perdeu espaço para outras culturas, em meados da década de 70, como o fumo e a soja.
Conforme Sandra, há vontade para que o projeto do polo como produtor seja retomado, mas é necessária mais força política para que a iniciativa ganhe fôlego. Além disso, ela salienta o esforço para que a história não seja perdida, com o curso sendo uma semente deste trabalho. “Falar na erva-mate, imagina, é praticamente adicionar uma planta à cultura, e nós não vamos adicionar uma planta qualquer, nós vamos adicionar uma planta que as pessoas conheceram”, afirma. A localidade do curso não foi escolhida por acaso, considerando que houve bastante manejo e venda da planta. No local há um produtor com um soque, equipamento utilizado na produção.
Ainda é um retorno histórico também para Sandra, que nasceu no Herval. Ela é neta de Alberto Wienke, fundador da localidade. O pai, Arno Wienke, já falecido, foi fundador da Festa do Colono e Motorista e a irmã a primeira rainha. Já estão previstas outras capacitações para o próximo ano, em São Lourenço do Sul e Arroio do Padre.
Sobre o nome científico, Ilex paraguariensis, a doutora afirma que é oriundo de um engano promovido pelo botânico francês August de Saint-Hilaire. Ele encontrou uma quantidade significativa de plantas em terras que acreditava estar no Paraguai, mas que era território do Paraná.
Preservação
O trabalho de Sandra motivou ações para preservar essa cultura. A pesquisadora da Embrapa Clima Temperado, engenheira florestal Letícia Penno de Sousa foi coorientadora da tese e destaca que a partir do trabalho foi possível compor um pomar de sementes, que consiste no plantio de mudas segundo a árvore-matriz de origem. No começo deste ano as duas colheram sementes de cinco árvores-matrizes que estão em processo de quebra de dormência.
Segundo ela, as mudas destas sementes vão ser usadas para complementar o pomar de sementes, que teve muitas mudas mortas pela seca. Também serão destinadas para doação a interessados em produção de erva-mate para venda ou para consumo próprio.
“Através da tese dela tivemos um panorama de distribuição geográfica da espécie na Serra dos Tapes, sobre o histórico de uso da espécie e o sobre o interesse de agricultores, indígenas e técnicos de secretarias de agricultura familiar e de extensão e assistência rural (Emater/RS-Ascar e Capa) em produzir a erva-mate como fonte de renda”, explica Letícia.
A estiagem também promoveu desafios para o trabalho. A pesquisadora conta que no primeiro ano as mudas foram plantadas com tábuas e milho, sem sistema de irrigação. “Achamos que no segundo ano de plantio as mudas estariam rustificadas e aguentariam a estiagem, mas neste verão houve uma grande mortalidade e das sete árvores matrizes (134 mudas), vamos manter apenas duas, que no total tem 40 mudas”, conta. Destas, uma matriz é de São Lourenço do Sul e outra de Pelotas.
Com este cenário na região, a pesquisadora aponta que o período ideal para plantio é em meados de agosto até final de setembro e que é importante haver sombreamento. “Recomendamos plantar com tábuas ao lado onde há maior exposição de sol ao longo do dia e/ou plantar espécies que cresçam rápido, um pouco antes do plantio delas, como milho”, aconselha.
Neste caso, um sistema de irrigação eficiente e barato é por fitas gotejamento que liberam água aos poucos a partir de pequenos orifícios. As fitas ficam ao longo das faixas de plantio, imediatamente ao lado das mudas.
Tradição que permanece
Em São Lourenço do Sul, o produtor Elmo Blank, de 78 anos, é um dos produtores que tentam manter a tradição em Taquaral, segundo distrito e que foi entrevistado para a tese. A mais nova dos cinco filhos, Gisleia Blank, de 36 anos, conta que o pai é um apaixonado pela produção.

A família era produtora agroecológica, fornecendo produtos para uma cooperativa, “e sabíamos que a erva-mate era um produto potencial para a comercialização e tínhamos na nossa propriedade várias árvores nativas”, lembra. Com isso, era realizada a poda das árvores e encaminhadas para indústrias, mas a demanda foi encerrada. Neste sentido, após um tempo com as árvores paradas, Elmo e os filhos buscaram retomar a produção.
No início, recebeu assistência de técnicos de uma cooperativa, onde a primeira produção foi processada. Após a aquisição de um soque, todo o processo passou a ser feito na propriedade, a partir do final da década de 90. Nos primeiros anos a produção chegou a cerca de 600 kg anuais.
“Em verdadeiros mutirões com a ajuda de vizinhos e da família anualmente realizava a poda, o sapeco, a secagem e o soque da erva na propriedade, tudo de forma artesanal”, conta Gisleia.
A extrema atenção e processos necessários para a produção agroecológica fez com que a iniciativa fosse pausada devido aos custos e tempo necessário de envolvimento.
Em 2018 houve nova retomada, com o produto sendo comercializado de forma direta em feiras do município. A novidade era a secagem no carijo, técnica artesanal que promove um sabor agradável com o toque defumado, mas que demanda mais tempo em relação à estufa, mais prática, e que acabou sendo mais utilizada. A produção chegou a alcançar de 100 a 150 kg anuais. Neste ano, no entanto, a estufa foi adaptada para secagem do milho. “Muito provavelmente esse será mais um ano que a gente não irá conseguir fazer”, lamenta.
Além disso, fatores como falta de mão de obra, a estiagem e o tempo de dedicação necessário dificultam o processo. “Se fosse só pela vontade ele faria várias vezes”, destaca.