São Lourenço do Sul: Lourenciano escreve livro sobre noivas de preto

Jairo Scholl Costa procura trazer aspectos históricos em suas obras de ficção. (Foto: Divulgação)

Por Gabriela Borges

A tradição das noivas pomeranas que se casavam vestidas de preto é algo que gera muita curiosidade entre as gerações mais novas de quem mora em São Lourenço do Sul. Afinal, por que as mulheres faziam isso? E de onde veio esse costume? Para falar um pouco mais sobre o assunto, o advogado, escritor e historiador lourenciano, Jairo Scholl Costa, em breve lança o romance medieval “Noivas de Preto: Uma história pomerana”.

Ele conta que, desde a ideia inicial, o projeto já contabiliza oito anos, e a previsão é que o livro esteja disponível para venda online e física no primeiro semestre de 2022. Costa explica que o enredo da narrativa ficcional foi fortemente ancorado em fatos históricos da Idade Média.

O trabalho como historiador lhe ajudou neste desafio. “Conhecendo a História, ouvindo descendentes em seus costumes e tradições, pode-se tentar uma reconstituição histórica, que somente é possível através do romance”, afirma Costa, apontando que discutir o uso dos trajes pretos pelas noivas em uma ficção torna o assunto mais acessível ao público, ao contrário do que aconteceria se fosse restrito a um livro de conteúdo acadêmico.

Com obras anteriores lançadas, o autor revela que o que lhe motiva a escrever sobre fatos relacionados à vida dos imigrantes da região se deve a singularidade de nossa constituição étnica, enriquecida pelos pomeranos, povo que atualmente se espalha pelo mundo, longe da região original dividida entre Alemanha e Polônia.

As noivas de preto
Costa revela que o costume existiu até metade do século XX e é passível de versões diversas entre descendentes pomeranos e historiadores. Entre elas, de que o preto representaria a solenidade do ato matrimonial; que as noivas naquele dia se vestiam com as cores das roupas das rainhas; e que representava o luto no dia do casamento, de quando os senhores feudais decidiam se autorizavam ou não o matrimônio, e poderiam exigir ter o direito a primeira noite com a noiva.

“Então, em repúdio, vestiam-se de preto como viúvas, num silencioso ato de rebeldia. Esta versão é a mais corrente e é importante frisar que o direito da primeira noite do senhor vigia em toda a Europa medieval, constando que em regiões como a Pomerânia o sistema custou mais a desaparecer. Esta história, com sua forte matiz humana, me pareceu ideal para um romance histórico”, explica o autor.

O também historiador lourenciano Airton Iepsen traz duas outras interpretações para o uso dos trajes pretos, considerando que estas possuem maior lastro probatório documental.
Na primeira delas, trazida por Helmar Rölke em seu livro “Raízes da imigração alemã”, os casamentos aconteciam geralmente depois da colheita, no início do outono, quando a temperatura podia cair consideravelmente. Segundo Iepsen, o preto absorvia melhor o sol, melhorando o aquecimento e, além disso, simbolizava o respeito diante do momento religioso na igreja.

Já a versão seguinte seria a do médico e jornalista Ivan Seibel (citando o prof. Drº Wilhelm Wachholz). Iepsen relata que o estudioso cita três motivos para o uso da roupa preta pela noiva: o preto lembraria o luto, uma vez que a morte de mulheres dando à luz era muito comum, pelo atendimento de saúde precário; representaria a morte social da noiva, de partida para outra família, e a terceira estaria ligada com a praticidade da roupa preta, especialmente pela escassez de roupas na época.

O historiador desconhece se aconteceram de fato casamentos de imigrantes alemãs ou pomeranas em São Lourenço do Sul, trajadas de preto. “Muito provavelmente eles aconteceram, mas no século XIX. Consultando algumas obras literárias, em nenhum momento citam essa situação, fora as acontecidas na Europa”, explica.

Além do livro a ser lançado por Costa, também são realizadas no município representações desses casamentos tradicionais, por iniciativa do Caminho Pomerano. Para Iepsen, a ação é de grande relevância para a manutenção da memória coletiva do povo lourenciano.

“Representar é importante. Mas se puder documentar muito melhor. Nós que trabalhamos com História seguidamente nos deparamos com apagões na memória, muitas vezes irrecuperáveis. Por isso a importância de representar, relembrar e registrar, mas de uma maneira que não desapareça definitivamente”, coloca.

A vida das pomeranas
Costa afirma que as noivas de preto estão no centro da história porque o tema exemplifica o sistema de dominação vigente que recaia, principalmente, sob as mulheres. Segundo ele, as pomeranas retratadas pelo livro viviam com suas famílias, onde criavam os filhos, cuidavam das tarefas domésticas, trabalhavam com os maridos nos campos e lavouras, e ainda detinham a responsabilidade de serem as que atendiam os enfermos, pois conheciam os poderes medicinais de ervas, poções e unguentos.

Iepsen complementa, apontando que na época tanto os homens, quanto as mulheres, não tinham liberdade econômica e pessoal, e eram vistos como objetos. “Nesse período, por contrato, as mulheres dos diaristas eram obrigadas a trabalhar pelo menos 200 dias por ano, além de, obviamente receberem um salário menor”, salienta.

Segundo Costa, resgatar a contribuição dessas mulheres é fundamental. “Engana-se quem pensa que eram figuras passivas. Na verdade, silenciosamente eram as grandes operadoras de mudanças naquela sociedade, pois com coragem foram enfrentando toda a violência que sofriam e acabaram abrindo caminho com mulheres de outros povos para o moderno processo de libertação das mulheres, que, ainda está em andamento no mundo”, ressalta.

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