
O Senado Federal aprovou, no dia 8 de novembro, o texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019, que estabelece uma reforma tributária, proposta que vem sendo discutida há 30 anos no Brasil. Mas o texto que agora volta com alterações para análise na Câmara dos Deputados ainda gera dúvidas entre diversos setores. Caso seja modificado, retorna ao Senado.
Com a reforma, os tributos federais Programa de Integração Social (PIS), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) passam a ser Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Enquanto o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) que é estadual e o Imposto Sobre Serviços (ISS) municipal passam a ser o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
Neste sistema, a alíquota sugerida é de 27,5%, a maior do mundo. Porém, ainda que o número possa assustar, na prática os valores não terão grande alteração, conforme aponta o professor e pesquisador do mestrado e doutorado em Economia Aplicada/Organizações e Mercados da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Marcelo de Oliveira Passos.
“Esse IVA vai ser o maior do mundo, só que o valor desse IVA é o valor que está praticamente aí, o valor que é para repor a arrecadação atual, então vai ser mantido. Não é que o tributo vai aumentar, a carga tributária, segundo o que o governo diz, não vai ser elevada, pode ser que eleve um pouco para acomodar os gastos elevados do ano passado, como o Bolsa Família, então o governo vai manter a estrutura de arrecadação para dar conta desses gastos”, explica.
Tal questão já havia sido destacada pelo relator da proposta no Senado, Eduardo Braga (MDB), durante votação que resultou na aprovação inicial da reforma. “O contribuinte não pode continuar a sustentar o peso do estado. Se o receio é que aprovação da PEC acarrete aumento de carga tributária, temos a convicção de que o modelo garante que isso não ocorrerá”, disse.
Ou seja, o que antes era diluído na cadeia produtiva passará a ser cobrado na etapa final, fazendo com que o consumidor saiba exatamente quanto está pagando de imposto sobre o produto adquirido. “A gente vai pode compreender na nota fiscal exatamente o quanto a gente paga de imposto em cada produto. Isso hoje é impossível porque você tem vários impostos incidindo em cascata, é um sistema tão complexo que não tem nem como definir exatamente na nota fiscal”, explica Passos.
De forma geral, o economista acredita que a reforma simplificará o sistema tributário no país, porém pode afetar alguns setores. “Vai beneficiar, sobretudo, a indústria, vai penalizar um pouco o setor de serviços e comércio, talvez, mas mais serviços, que é quem vai pagar mais pela reforma […] Mas ela vai trazer muitos benefícios pro país a médio e longo prazo porque ela vai passar a vigorar somente a partir de 2026 e vai ser concluída em 2033 então tem um bom tempo para ela ser implementada. Minha visão é positiva para a reforma, ela vai facilitar, fazer com que o nosso sistema tributário seja mais fácil de ser compreendido por investidores estrangeiros, por exemplo, e até para nós brasileiros”, comenta.
Quanto aos setores que podem acabar pagando tributos maiores, Passos detalha que a medida supre uma falta que vinha ocorrendo no pagamento dos impostos. “O setor de serviços vai sofrer um pouco mais, porque a tributação sobre o setor vai ser um pouco maior. No setor agropecuário eu não vejo nenhum problema de se pagar mais imposto, pelo menos o que eu percebi da reforma ela não afeta o setor agropecuário, pelo contrário, até beneficia porque a gente tem uma cesta básica nacional que são compostas por produtos agropecuários. […] A indústria paga muitos tributos”, ressalta.
Ainda conforme o professor, a alíquota sugerida foi pensada para suprir a demanda de arrecadação e esta definição será fundamental para estabelecer um parâmetro.
Outro ponto a ser considerado na reforma gira em torno do Imposto Seletivo (IS), também chamado de “Imposto do Pecado”, tributo que define uma taxa maior aos produtos que prejudicam a saúde, como cigarros e bebidas alcoólicas. “É para desestimular o consumo desse tipo de produto, talvez coloquem até refrigerantes nisso e eu acho que esse tributo, esse imposto seletivo vai ser o mais alto. Então a gente vai ter esse tributo como um tributo bastante penalizador desses produtos, até para compensar a redução de arrecadação de outros tributos”, detalha.
Ainda de acordo com o professor, a alíquota a ser cobrada no IS requer atenção. “A definição da alíquota vai ser muito importante, porque se você tributar muito cigarros e bebidas você pode incentivar o contrabando e a pirataria. Então a definição da alíquota que a gente não tem ainda é o que vai ditar se o tributo é eficaz ou não. Colocar um tributo no cigarro muito mais alto do que é hoje, por exemplo, vai beneficiar o contrabando de cigarros do Paraguai, ou a produção de bebidas falsificadas”, pontua.
No entanto, este não é o único uso do IS. Considerando aspectos como a função social e preservação da floresta amazônica, o Congresso Nacional decidiu incluir no Imposto Seletivo produtos fabricados na Zona Franca de Manaus, garantindo o inverso, ou seja, uma tributação menor, com alíquota diferente dos outros produtos.
Alterações e próximos passos
Ao todo, o texto recebeu cerca de 830 emendas durante a discussão no Senado, e agora passará mais uma vez pela análise da Câmara. As mudanças propostas por Braga incluem hipóteses para alíquota zero da CBS e IBS tais como a Cesta Básica; medicamentos e dispositivos médicos adquiridos pelo governo federal, estados, Distrito Federal e municípios ou pelas Santas Casas; serviços prestados por instituição científica, tecnológica e de inovação sem fins lucrativos. Além disso, ao menos 42 produtos e serviços podem ter tributos e outros tratamentos favorecidos.
Mas a discussão da proposta também gerou polêmica no Senado. O líder da oposição, senador Rogerio Marinho (PL), falou sobre um possível aumento no imposto. “Quem teve mais condição de gritar, de brigar, de fazer o lobby funcionar está contemplado com inserções dentro do projeto em tela. Aqueles que não tiveram essa força ou esse cuidado vão ser obrigados a suportar uma carga tributária — pasmem, senhores — que vai ser a maior do mundo. Nós estamos falando de um assunto muito sério, em que não há nenhum estudo de impacto. O que nós temos, na verdade, é uma perspectiva de um IVA maior do que os 27,5%”, disse.
Além de Marinho, o senador Oriovisto Guimarães (Podemos) alertou para o risco de desequilíbrio financeiro que, segundo ele, pode prejudicar os municípios. “O que é que nós vamos ter? Governadores de pires na mão, que não têm mais capacidade de receber seu próprio tributo e que ficam na mão de um comitê gestor ou conselho federal. O que nós vamos ter? Prefeitos com pires na mão, que não podem mais ter o seu ISS”, criticou.
Por outro lado, o líder no Congresso, o senador Randolfe Rodrigues (Rede), ressaltou a importância da alíquota zero para itens da cesta básica. “É isto que nós estamos votando: a redução dos tributos. Agora, eu também entendo porque a oposição hoje não quer que a alíquota da carne da cesta básica seja reduzida a 0%. Eles estão incomodados porque o brasileiro, depois do governo do presidente Lula, voltou a comer picanha. De uma taxa de tributação hoje com peso de 34%, nós, com a instituição do IVA, passaremos a ter uma tributação de 22% a 27,5%”, disse.
Também favorável à reforma, o deputado federal Daniel Trzeciak (PSDB) afirmou que a proposta tende a simplificar os tributos pagos atualmente no país. “Tão importante quanto simplificar e não aumentar é descentralizar, ou fazer uma distribuição de recursos de forma mais justa aos municípios e aos estados brasileiros. A partir desse momento agora cabe à gente seguir fazendo essas análises para que se tenha o melhor texto para que o Brasil de fato possa avançar com uma reforma que possibilite gastar menos energia falando de tributos para quem empreende e de fato fazer a roda da economia girar”, falou. A reportagem também tentou contato com os outros deputados federais da região, Alexandre Lindenmeyer (PT) e Afonso Hamm (Progressistas), mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.