“Quem somos nós enquanto casal?”

Em que momento um relacionamento passa a ter consequências jurídicas? Ou ainda, quando um casal passa de um simples namoro para a comunhão de bens?
Nossas relações são dinâmicas e vivenciadas no cotidiano. Portanto, é normal que a situação de um casal passe de namoro para união estável sem que isso seja claramente percebido. Afinal, no mais das vezes, a união se estabelece de forma gradual, sem um marco divisor.

Durante a pandemia, por exemplo, muitos casais que antes sequer haviam pensado em morar juntos, passaram a conviver sob o mesmo teto. É bem verdade, isso por si só não caracteriza união estável, mas, somado a outros elementos, pode ser uma prova robusta de sua existência.

Diante da questão, o direito nos traz diversos termos -casamento, união estável, namoro qualificado e namoro se destacam. Com isso, a dúvida que fica para muitos casais é: “que tipo de casal somos nós?”

Do casamento não restam dúvidas. Cheio de formalismos e regras próprias, é claro quanto à sua existência e quanto às suas consequências.

A união estável, por sua vez, – muito embora possa ser atestada pelo casal – para que possua repercussão jurídica, basta a reunião de alguns requisitos. Significa dizer, para que reconheçamos a união estável precisamos de fatos que a demonstrem.

Para que o casal de namorados passe a ser considerado um casal de companheiros, portanto, se faz necessária a presença dos seguintes elementos: publicidade, continuidade, durabilidade e o animus familiae, que, apesar do nome diferente, nada mais é do que o desejo do casal de constituir família.

Atenção para este último: não é desejo de um dia vir a ser família. É desejo de hoje estar sendo família!

Com isso, passamos ao namoro qualificado, aquele onde quase todos os requisitos da união estável estão verificados, com exceção do animus familiae. A título de exemplo, podemos mencionar aquele casal de namorados que coabita, compartilha despesas, possui relacionamento estável e é visto pelos vizinhos como casal. No entanto, apesar das aparências, este mesmo casal deixa claro entre si que ainda não se reconhecem como se casados fossem.

Mas atenção: essa compreensão deve ser clara entre o casal e, eventualmente, dependerá de prova para que não sejam aplicadas as regras que regem a união estável.
Mas por que é importante realizar tal diferenciação? Bom, no caso da união estável, sendo ela reconhecida, passarão a incidir as mesmas regras do casamento: comunhão de bens, direitos sucessórios, pensão e outros. Já no caso do namoro, não deve haver qualquer repercussão jurídica.

Portanto, quando falamos em namoro qualificado, estamos diante de uma situação que deve acender um alerta ao casal, vez que já se encontram claramente entre duas situações jurídicas distintas.

Existem, por certo, ferramentas capazes de reduzir a insegurança e incerteza da real situação do casal. Há, por exemplo, a figura do contrato de namoro – onde ambos declaram que aquilo que vivem é nada mais do que um namoro; há, também, o contrato de convivência – onde ambos declaram a união estável e desde já determinam as regras e efeitos dela.

Infelizmente, em nossa sociedade existe um tabu a respeito de casais conversarem sobre patrimônio e comunhão de vidas. Não deve ser assim. O diálogo com clareza e amparado em bom aconselhamento jurídico é capaz de tanto auxiliar a vida do casal hoje como evitar conflitos no futuro.

“Quem somos nós enquanto casal?”. É a pergunta que, com amparo profissional, deve ser respondida para que as normas do direito não venham a ser um problema, mas uma solução.

*Felipe Piltcher da Silva,
Pós-graduando em Direito de Família e Sucessões pela Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP/RS)
Mestrando pela Universidad de la Empresa (Ude/Montevideo)

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