Perda de uma chance

Vinícius Duarte Fernandes. Formado pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL); Formação em gestão de escritórios e departamento jurídico pela Pontíficia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR)

Um paciente que, em vez de permanecer internado, recebe alta indevidamente e acaba morrendo. Um participante de reality show que, por erro do programa, é eliminado e deixa de concorrer ao prêmio final. Um investidor que tem suas ações vendidas antecipadamente e perde a oportunidade de fazer um negócio melhor.

Em comum, essas situações envolvem a possibilidade de indenização com base na teoria da perda de uma chance. Adotada no âmbito da responsabilidade civil, essa teoria considera que quem, de forma intencional ou não, retira de outra pessoa a oportunidade de um dado benefício deve responder pelo fato.

Nestes casos, o autor do dano é responsabilizado não por ter causado um prejuízo direto e imediato à vítima; a sua responsabilidade decorre do fato de ter privado alguém da oportunidade de obter determinado resultado. Então, o que se pretende indenizar não é a perda da vantagem esperada, mas sim a perda da chance de obter esta vantagem.

Sobre o tema, o ministro do Superior Tribunal de Justiça Paulo de Tarso Sanseverino explica que a teoria foi desenvolvida na França (la perte d’une chance) e tem aplicação quando um evento danoso acarreta para alguém a frustração da chance de obter um proveito determinado ou de evitar uma perda.

No Brasil, o caso mais emblemático sobre este tema ocorreu no ano de 2005, quando uma mulher entrou na justiça alegando ter perdido a chance de ganhar 1 milhão de reais no programa “Show do Milhão”, em razão da pergunta final não ter resposta correta. No julgamento, os ministros consideraram a teoria da perda de uma chance para condenar uma das empresas de Silvio Santos ao pagamento de indenização, já que ficou demonstrado que a participante de fato havia perdido a oportunidade de vencer o programa e levar o prêmio por culpa da empresa que elaborou pergunta sem resposta.

Não menos interessante foi o caso em que a perda de uma chance foi utilizada para indenizar consumidora em razão de falha na prestação do serviço de reservas de hotéis pela internet. No caso, a consumidora iria prestar concurso em outra cidade, mas não teve a reserva do seu hotel efetivada conforme contratado e no dia do certame não havia mais vagas nos hotéis da região, por isso não pôde realizar a prova. No caso, o Tribunal entendeu que foi frustrada a chance de prestar o concurso para o qual havia se preparado e tinha chances reais de aprovação e, diante disso, condenou a empresa a reparar o dano.

Enfim, observa-se a ampla utilização da teoria na prática forense, sendo diversas as hipóteses em que é possível caracterizar a perda de uma chance, no entanto, ainda assim há aqueles que entendem não existir dano advindo de casos como estes, pois referidos prejuízos não seriam diferentes de um dano hipotético. Para estes, os danos decorrentes de uma chance perdida seriam os já aceitos danos patrimoniais e/ou morais.

De qualquer forma, é importante considerar que o ser humano é um sujeito de expectativas. Todos nós somos submetidos, diariamente, a diversas e complexas relações que, por muitas vezes, geram expectativas, isto é, projetamos nossos sonhos, desejos e vontades e esperamos que eles se realizem. Este tipo de ocorrência não pode ser desprezada pelo Direito, pois tanto a expectativa em si, quanto a sua consequente frustração, são capazes de produzir danos no mundo dos fatos e é nessas situações que a teoria da perda de uma chance pode e deve ser utilizada.

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