História da música “Guri”

Cássio Lopes, escritor e historiador.

Com certeza tu já deves ter escutado a música “Guri”, clássico do nosso folclore, cantada e recantada até os dias atuais. Mas sabes qual a história por trás dela? Bueno, tudo começou em 1983, quando sua letra foi escrita pelos irmãos João e Júlio Machado, primos de Nico Fagundes (Antônio Augusto da Silva Fagundes), especialmente para retratar a história de seu filho Neto (Euclides Fagundes Neto), na época com 20 anos.

Carregada de sentimento, a composição relata de forma singela, os sonhos de infância de Neto e também sua admiração pelo pai. Detalhes que fizeram a diferença para que ela fosse selecionada para participar do Festival “XIII Califórnia da Canção Nativa” de Uruguaiana. A ideia inicial era que fosse interpretada pelo próprio Neto, mas como ele já tinha se comprometido a cantar outras duas composições e o regulamento não permitia interpretar três, teve que abrir mão dela e procurar outro intérprete para apresentá-la. Vira e mexe daqui e dali, Neto e Renato Borghetti procuraram o César Passarinho e literalmente o convocaram para essa missão.

Ele estava afastado há um bom tempo dos palcos dos festivais e primeiramente recusou, mas depois aceitou o apelo, com a condição de que seriam somente eles três a se apresentarem. Dois guris fazendo costado para o “veterano” das Califórnias. E o resultado não podia ser diferente: Uma apresentação impecável, que conquistou tanto a plateia, quanto os jurados; bem como o prêmio “Calhandra de Ouro” daquela edição do festival. À medida que a música foi sendo divulgada nas rádios e se tornando conhecida Rio Grande afora, também passou a ganhar o coração dos gaúchos, por representar a vida de muitos guris de outrora, que tinham como espelho seus pais e almejavam um dia ser como eles.

Guris que respeitavam os mais velhos, que não se metiam nas conversas deles. Guris dispostos, prestativos e curiosos, que aprendiam causos, histórias e até ofícios à beira do fogo. Guris de “calça curta” e de pé no chão, que desejavam ardentemente se tornar moços, para enfim vestir bombacha, boina, “lenço vermelho e guaiaca compradas lá no Uruguai”; e calçar alpargatas, “botas feitio do Alegrete e esporas do Ibirocai”.

Rapazotes que ansiavam por usar a mala de garupa, ter o seu próprio cachorro companheiro para ajudar a tocar as vacas, junto com seus petiços sogueiros. Meninos que queriam ter uma tabuada e o livro “Queres Ler” para aprender a fazer contas e alguns bilhetes escrever, para expressar os seus sentimentos para as filhas de tantos Bentos, coisas “que se não for por escrito”, não se animam a dizer. Filhos orgulhosos que queriam um instrumento como a gaita ponto de oito baixos, para ver o ronco (som) que dela sai.

Futuros homens que pediam encarecidamente a Deus que não os deixasse que se separassem dos ranchos onde nasceram (família); que não os despertassem tão cedo dos seus sonhos de guri (que jamais viessem a desistir dos seus sonhos) e que de lambuja Ele permitisse que nunca saíssem dali (abandonando suas querências).

3 comentários

  1. Bom dia,

    Sou filho do professora que alfabetizou os irmãos Julio e João Machado lá no Plano Alto, interior de Uruguaiana. Sempre ouvi minha mãe falar deles. O nome dela era Nelida, filha de Severo Bento. A minha mãe foi ministrar aulas na estância dos Machado pq não havia escolas rurais à época. Em razão disso, as professoras eram contratadas pelos estancieiros para ensinar os filhos a ler e escrever. Ela tinha uns 16 anos, já era órfã de pai e mesmo menor de idade precisava trabalhar. O livro que usava para alfabetizar tinha como título na capa “Queres ler?”. Sempre desconfiei que “Guri” tenha sido inspirado nessa época. Talvez uma paixão de adolescência tenha tomado o coração de um dos autores, pois eram pré adolescentes e minha mãe, a professora filha de Seu Bento, era muito jovenzinha.

  2. Que lindo comentário Luis Felipe! E surge mais um dado a respeito dessa linda poesia.
    Domingo dia 25 cantei esta música no CCMQ e me emocionei. Pois tive contato com Cesar Passarinho que deu vida a essa linda obra. Vencemos juntos um festival no início dos anos 90.

  3. Emocionante de ir às lágrimas! Conheço o Plano Alto. Morei em Uruguaiana, quando era guri. Vi essa música nascer. Só não foi na XIII. Mas deixa para lá. Minha falecida mãe, certa feita, enquanto escutávamos César Passarinho interpretando, comentou: “eu aprendi a ler nessa cartilha, Queres Ler? Meu pai a trouxe de São Lourenço” – imagina, que viviam no interior do interior – e minha mãe (minha avó) me explicou o início e eu aprendi a ler por ali. Esse é o nosso Rio Grande! O valor da Educação aparece até na letra das músicas. Muito obrigado pelo relato. E, também, grato ao amigo filho da professora, que era filha do Seu Bento. “Sirvam, nossas façanhas!”

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