
A coluna de hoje tem o intuito de refletir sobre a situação do cônjuge (pessoa casada) e do companheiro (pessoa em união estável) no direito sucessório, principalmente porque, desde 2017, é considerado inconstitucional o artigo do Código Civil que colocava o companheiro em posição de inferioridade em relação ao cônjuge.
Entretanto, antes de entrar no tema propriamente dito, se faz necessário distinguir a figura do cônjuge da figura do companheiro.
Cônjuge é o indivíduo que está matrimonialmente vinculado com outra pessoa, a partir do ato formal, solene e público chamado casamento. Por outro lado, companheiro é aquele sujeito que vive em união estável com outrem, isto é, quando possuem um relacionamento duradouro, público e contínuo, com objetivo de constituir família, mas sem casar, conforme já abordado em coluna anterior.
Percebe-se, portanto, que a diferença primordial entre o casamento e a união estável está no modo pelo qual se constituem, uma vez que, funcionalmente, ambos os institutos são praticamente idênticos, já que se destinam a constituir família, de forma pública e duradoura.
Embora haja essa “identidade funcional” entre o cônjuge e o companheiro e a Constituição Federal reconheça a união estável como entidade familiar, o Código Civil colocava o companheiro em posição de inferioridade em relação ao cônjuge no que se refere ao direito sucessório, pois, em determinadas situações, parentes de quarto grau, ou até mesmo o Estado, recebiam bens do falecido antes do companheiro.
Diante dessa notória desigualdade, em maio de 2017, o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional referido artigo e, em seguida, determinou que o companheiro tivesse seus direitos sucessórios equiparados aos do cônjuge, sendo incluído na ordem de vocação hereditária, isto é, na sequência pela qual os herdeiros são chamados para receber a herança.
Assim, com base nesse precedente, muitos juízos passaram a reconhecer aos companheiros os mesmos direitos dos cônjuges, inclusive o direito de sucessão, fazendo com que os companheiros passassem a concorrer com descendentes e ascendentes na ordem de recebimento da herança ou até mesmo a recebessem sozinhos em determinados casos.
Embora essa decisão pareça solucionar uma grande controvérsia jurídica dando, finalmente, tratamento igualitário aos cônjuges e companheiros no tocante aos efeitos sucessórios, ainda surgem questões que necessitam de esclarecimentos.
A principal dúvida surge pelo fato de o julgado nada relatar sobre a inclusão ou não do companheiro como herdeiro necessário, que nada mais é que aquele herdeiro que tem direito à herança por força de lei e que não pode ser excluído da sucessão. Segundo a lei, são herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge, os quais, em certas ocasiões, têm direito à metade dos bens deixados pelo falecido.
Sendo assim, nascem duas correntes a respeito do tema, uma entendendo que o companheiro está inserido no rol dos herdeiros necessários e, portanto, não pode ser excluído da sucessão, e outra defendendo o contrário, sob o argumento de que o STF teria limitado sua decisão às regras relativas à concorrência sucessória e ao cálculo das cotas hereditárias facultativas.
Como não há nada devidamente expresso nesse sentido, é necessário que a Suprema Corte se manifeste e apresente um posicionamento claro sobre o assunto, uma vez que, se reconhecido como herdeiro necessário, o companheiro estaria plenamente equiparado ao cônjuge e, assim como este, não poderia ser afastado da sucessão, circunstância que tem reflexos tanto no planejamento familiar, quanto no planejamento sucessório.